03 - "Típico de Stowe"

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Pietro Liberato

Naquele dia eu havia tido um sonho. Um sonho, um conto, uma utopia. Eu estava deitado, próximo a um portão enorme: ele era preto, e havia uma planta cheia de espinhos o envolvendo. Uma planta cinza. Seria falta de água? Estaria a casa atrás dela abandonada? Isso foi o que menos chamara minha atenção. Havia tantas flores aglomeradas, uma inflorescência que era luminosa a esse ponto. Todas laranjas. Os céus vibravam grãos de pólen, e tudo que eu conseguia pensar era o quão maravilhado e grato eu estava.

Subitamente, um enorme estrondo ecoou pelos cantos. As árvores chacoalhavam, e em pouco tempo, toda a cor era tingida de cinza. Por mais que eu olhasse, tudo se tornava desabitável ao meu redor. Estava tudo morto; as flores, árvores, toda a vegetação morreu. É apenas pó. O chão começou a se abrir conforme eu encarava todo o local; eu não fugi, e com isso sou engolido até as profundezas. Tudo se vai, o laranja se esvai, e o branco tudo atrai.

Saltei na cama.

— Não é comum você ter pesadelos — era minha mãe. Reconheci por suas roupas quase sempre floridas. — Sobre o que foi?

Ainda meio tonto, olho ao redor do meu quarto. Uma visão familiar, e entediante. Nada mudou, então porque estou feliz e triste com isso? Minha mãe, Fiorella Lawford Liberato sempre acreditou que sonhos fossem o espelho interior de cada um. Sonhos traziam predições; enquanto pesadelos, um aviso.

— Flores, primavera, e então um outono. Um outono triste — disse apenas usando palavras-chave. Eu amava contar para ela todos os meus sonhos quando era criança, mas conforme cresci passei a não ter tanta paciência para isso.

— Brigou com algum de seus amigos algum dia desses? — minha mãe sorriu sentando-se na cama junto de mim.

— Não, mãe, mas bem que eu queria. Há sido tudo tão pacato e desanimador que não sei se quero continuar. Há algum botão de pause? — resmunguei em um tom desanimador.

Minha mãe riu.

— Quando conheci seu pai eu estava exatamente pensando assim!

— Espero ter essa sua felicidade quando tiver meus filhos — disse me levantando da cama, arrumando a mesma. — Onde está o pai?

— Na garagem da última vez que o vi.

Desci as escadas do andar superior e segui até a garagem. Meu pai usava uma chave de fenda no motor de um carro preto; eu reconhecia aquele carro.

— É do pai da Susie, não é? — me aproximei de meu pai lentamente para não impedir que a luz do sol sumisse e o fizesse atrapalhar em seu trabalho.

— O tanque está furado — disse meu pai, indiferente.

— Band-aid — sugeri sorrindo.

Meu pai notou minha presença, finalmente, e se surpreendeu.

— É você! Bom dia, Pietro — meu pai me deu um beijo na bochecha.

— Bom dia, pai. Quando eles vieram deixar o carro aqui?

— Susie e o senhor Patrick vieram de umas cinco e meia.

— Ela já estava acordada a essa hora?!

— Sim — meu pai pegou um alicate. — É o segundo carro que conserto nesse fim de semana.

— Deixe-me adivinhar, o outro foi da Caeli?

— Incrivelmente não. Foi do Richard.

— E... eu com certeza sei quem é o Richard!

— Não lembra que andávamos juntos na caminhonete?

The four elementsOnde histórias criam vida. Descubra agora