CAPÍTULO IV
Acordei cedo naquele dia com minha avó querida se certificando que eu ainda estava lá. Sentei na cama coçando os olhos enquanto bocejava, dei uma espiada no relógio em cima da escrivaninha.
- Halmeoni, são seis da madrugada, o que aconteceu? - Ela suspirou e semicerrou os olhos na minha direção e eu esperei pelo primeiro puxão de orelha do dia, apesar de eu estar realmente eufórica.
Já estava andando pelo quarto em busca das minhas roupas e penteando o cabelo com os dedos enquanto isso.
- Vim me certificar, se o pássaro ainda estava na gaiola. - Disse por fim dando de ombros. Agarrou-me pelo braço e me fez sentar na cadeira da penteadeira, alcançou o pente e começou a escovar meus fios. - Sabe como é, não sabemos quando ele vai escapar. - Vi ela sorrir com um certo orgulho e melancolia pelo espelho.
- Eles são imprevisíveis, não é? - Questionei enquanto a via fazer algo diferente em meu cabelo.
- Você não tem ideia! - Sorriu, e me encarou pelo espelho. - Já que agora estamos a sós tenho um comentário a fazer... - Ela mordeu o lábio inferior e crispou os olhos. - Ele é lindo!
Eu abri a boca sem ter como agir de outra forma, e minha Halmeoni apenas riu de canto e continuou fazendo um trabalho incrível no meu cabelo como se não tivesse dito nada de mais. Eu demorei um tempo para processar o comentário e ainda estava engasgada com a surpresa.
-Eu não estou crendo no que eu ouvi! - Disse por fim. - Quando viu ele?
- Quem sabe, não é mesmo?
- Halmeoni não seja má! - Ela sorriu sumindo para dentro do meu closet.
Corri para alcança-la e tropecei no meio do caminho na chima que havia usado no dia anterior. Agradeci por não ter dado de cara com o chão e continuei meu percurso. Ela estava escolhendo uma chima e tinha um jeogori jogando sobre o braço, então eu fiz um pequeno drama.- Choi Ah Ri, vai mesmo fazer essa crueldade com sua neta querida? Vou me jogar da sacada depois dessa! - Ela deu de ombros e continuou a mexer nos meus hanboks.
Continuamos naquela situação até o horário do café, umas nove e meia da manhã. A ajumma Bang entrou no quarto com a minha bandeja e tanto eu quanto halmeoni nos lembramos que ainda estava no purgatório. Ajumma Bang sorriu cúmplice para mim assim que a halmeoni saiu pela porta. Deixou a bandeja sobre a escrivaninha e sentou ao meu lado na janela.
- Como está o coração?
- Aos pulos e ansioso... Talvez tenha uma taquicardia antes de conseguir chegar a algum lugar! - Ela riu do meu exagero, que não era tão exagerado assim. Sentia-me com o coração batendo em cada célula do meu corpo e irradiava energia por cada poro.
Parecia que eu estava prestes a conquistar um país! De fato eu estava, o meu próprio. Ou o eu mesma!
-Ajumma, como estão os preparativos?
- Temos um problema! - Já me alarmei.
- A reunião de memorial de sua bisavó será hoje, e talvez você tenha que estar presente, afinal de contas você é um trunfo de seu avô.
Tentei trabalhar em maneiras de contornar aquilo. Esse tipo de reunião costumava juntar muitas pessoas, muito movimento, a família principal e responsável seria o centro das atenções. Esquadrinhei mentalmente a casa procurando cada fresta por onde pudesse escapar, e então algo me veio a mente: E se eu usasse o evento ao meu favor em vez de correr dele?
Olhei para a ajumma com o indicador sobre os lábios. Ela concordou com meu plano e passaria os detalhes para o motorista Kim. Me preparei para a reunião, o penteado não teve que ser refeito: um topete e a parte que deveria ser minha franja que ficou solta, e como destaque o grampo de garças do lado esquerdo enfeitava meu penteado novo.
Meu hanbok se concentrou entre branco e vermelho. O vermelho apenas na gola e laço do jeogori e no pingente que carregava preso a cintura da chima, e eu nunca lembrava do nome que tinha aquele tipo de jóia arcaica. Norigae, acho que era algo assim.
A tarde cheia preencheu meu tempo, como havíamos previsto, harabeoji solicitou minha presença. Entreter os convidados até a noite foi um martírio, as matronas apenas estavam preocupadas com os defeitos dos filhos e netos alheios, ou com minha falta de noivo.
- Senhorita Park, está linda hoje! - Senhora Jung chamou minha atenção. - Como tem passado o tempo, não é mesmo? Já vai alcançar seus vinte e um anos. Tem pensado o que para o futuro?
- Obrigada! - Dei um leve acenar com a cabeça enquanto repousava a xícara na mesa de centro, minhas costas começavam a querer se curvar um pouco. - O futuro tem muitas possibilidades não é mesmo? É difícil prever algo.
Respondi mais muitas perguntas como: "Você não quer mesmo se casar por agora?" , " O que fará para ajudar sua família?", "Como é viver debaixo da renomada família Park?". E eu pensei que talvez o problema de todo mundo era querer estar na minha posição. Mas ninguém sabe o que passamos até comer um saco de sal conosco, não é mesmo? Percorri toda a tarde entre revirar olhos discretamente e brincar com a ponta do laço do meu hanbok.
Observei todos aqueles sorrisos e quis imaginar como na verdade elas eram, se acordavam tão descabeladas quanto eu, se passavam mel no rosto só para mantê-lo macio e bem limpo, se surtavam vez ou outra e queriam passar o dia de camisola assistindo doramas. Imaginar esse tipo de coisas era engraçado, e acabei por ser repreendida com o olhar por halmeoni, quando soltei uma risadinha, às vezes uma mente fértil é um sério problema.
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Other World
FanfictionÀs vezes, não podemos pensar nos meios que a vida usa para te fazer enxergar aquele outro mundo cheio de cores e possibilidades que existe fora do seu campo de vista. Eu não entendi no começo que naquela semana tudo que eu conhecia seria mudado por...