Capítulo 1

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O dia estava particularmente bonito naquela manhã de quarta-feira. O céu estava com poucas nuvens que, ora cobria o sol ora deixava que seus raios aquecessem a grama verde, espantando a leve brisa que a manhã trazia consigo. Os pássaros cantavam alegremente em seus ninhos nos galhos das árvores ou voavam de um lado para outro. Por vezes, era possível ver alguns pássaros aterrissando na grama para pegar algum inseto que se escondia no meio das plantas.

O som distante dos carros era quase imperceptível. E a calmaria daquele lugar permitia que qualquer um que se sentisse à vontade pudesse se sentar e meditar o dia todo sem ser atrapalhado. Aquele é, sem dúvidas, um lugar calmo e belo. Sem os sons barulhentos da cidade grande ou de pessoas falando alto no celular. É quase impossível pensar que um lugar tão calmo e belo como aquele carregasse consigo uma enorme tristeza do coração daqueles que andam por esse lugar.

Os sons do canto dos pássaros e o silêncio da natureza eram, por vezes, interrompidos pelos soluços e gemidos de tristeza que vinham de um pequeno grupo de pessoas de alguma parte daquele cemitério. Em um caixão, rodeado por pessoas amadas, o corpo de um homem já idoso descia lentamente até o fundo de uma vala para, em seguida, ser coberto de placas de cimento e terra.

Observar aquela cena fez com que o coronel Matheus se lembrasse do triste momento em que sua esposa fora enterrada. Por um breve


período Matheus observou aquelas pessoas se despedindo, em meio a lágrimas, do homem que estava sendo agora enterrado.

Voltando sua atenção à sua frente permaneceu em silêncio enquanto corria os olhos para os dois nomes marcados na lápide de bronze: Erica e Laís Vieira. Ambas com a mesma data de morte. O dia de maior angústia de sua vida. Fizera questão que o nome da filha, que ainda nem havia nascido estivesse na lápide. Quinze anos se passaram desde então, mas a dor no peito parece ainda tão forte quanto aquele momento.

Os sons de passos se aproximando cortaram seus pensamentos. Matheus virou-se na direção dos passos sem perder sua postura ereta e firme, segurando o quepe nas mãos que tirara em respeito aos nomes gravados na lápide a sua frente.

Bem próximo de Matheus, há apenas alguns passos dali um homem de pele negra, aparentemente um pouco mais velho que Matheus trajando roupas sociais se aproximava calmamente com uma leve expressão de paz no rosto. A bíblia que carregava em suas mãos negras deixava bem claro que aquele homem era o pastor que pregara no velório do velho.

— Bom dia. Tudo bem? — Cumprimentou o pastor com sua voz mansa. Um sorriso leve abriu-se no rosto recém barbeado do pastor.

— Bom dia. — Respondeu Matheus sem dar muita importância à tentativa amistosa do pastor de conversar e ignorando completamente a pergunta de "tudo bem".

— Eu sou o Pastor Carlos. De uma igreja aqui perto. — O pastor estendeu uma de suas mãos esperando que o policial à sua frente a apertasse.

— Matheus. — Disse secamente.

Matheus apenas olhou para a mão estendida do pastor, mas ao invés de apertá-la apenas fez um leve movimento com a cabeça como cumprimento. Carlos recolheu a mão encabulado. Certamente o homem à sua frente não estava com a intenção de fazer novos amigos. Mantinha sua cara fechada e o cavanhaque que circulava a boca comprimida do policial acentuavam ainda mais seu ar de poucos amigos.

Setenta vezes Sete - Marcos BossolonWhere stories live. Discover now