Cariri

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Quando chegaram a aldeia urbana, primeiramente houve um momento de silêncio, entretanto logo foi possível escutar o barulho de crianças a brincar e um carro que passou em alta velocidade em alguma estrada próxima. Jacira sorriu e seguiu a anfitriã até sua casa. Estava muito contente em poder apresentar o lugar onde vivia, entretanto era de um tom menos saturado que em outros bairros da cidade onde predominava o verde. A muito dos que um dia haviam habitado na rica e bela mata nativa, ao mudar-se para as cidades haviam de contentar-se com uma estrutura precária de bairros afastados do centro.

Era claramente perceptível que ao menos uma grande parte das famílias possuía uma renda limitada e a aparência geral era muito mais parecida a de outros bairros da periferia do que qualquer bairro de classe média ou alta. Havia um pouco de barro próximo às calçadas de entrada, porque chovera no dia anterior. Jacira foi recebida à casa do casal e acomodada para tomar um café. A jovem pode conversar um pouco melhor com a artesã e descobrir sua triste história de vida, havia nascido numa tribo, entretanto seus pais se mudaram para a cidade grande tentar uma vida melhor. O que encontraram foi um mundo pesado para eles, vagaram por estradas a vender cestos e artesanatos, passaram muita fome, muito calor no sol ardente dos campos que rodeiam as estradas do interior.

Acabaram por retornar à sua aldeia original, e foram novamente bem acolhidos, entretanto após crescer e criar sua própria família foi obrigada e realizar a mesma tentativa que os pais fizeram anos antes, veio com o marido e o primeiro filho no ventre, foi duro conseguir onde ficar, primeiramente moraram em invasões e a ali viviam muito mal, porque o fedor do esgoto à céu aberto e as doenças eram um cotidiano para os habitantes, que ali residiam por não verem outra opção. Contou que ali basicamente convivia com índios e negros, e que ela ficou surpresa ao ver que no centro da cidade não haviam tantas pessoas com a pele escura, senão um mar de pessoas de tez clara a desfilar com suas roupas civilizadas e comportadas, celulares, relógios e carros do ano, sempre apressados e com o rosto fechado, os moradores da capital não lhe recordavam em nada a lembrança feliz da sua comunidade em um pequeno vilarejo do interior, onde humanos podiam ser fiéis a sua essência e ao legado de seus ancestrais.

A adaptação fora muito difícil, e a fome os seguiu acompanhando recorrentemente por algum tempo. Naquele momento, contudo, as coisas pareciam estar um pouco mais agradáveis, ela contou que a aldeia urbana surgira como uma iniciativa do governo e que lhes havia cedido uma casa e a garantia de um pouco mais de qualidade de vida, acesso às vantagens de habitar no meio urbano, como educação, saúde e comércio acessíveis e agora eles conseguiam manter-se bem do artesanato que seguiam a vender às vezes no centro, e de acordo com sua anfitriã, recorrendo a outros pontos para não "enjoar" o pessoal.

Após o rápido café, Jacira foi convidada para conhecer uma das cunhadas de Ñambi que também morava na comunidade, e na verdade fora a pessoa quem conseguira aquela casa para eles. Apenas a filha as acompanhou e a moça viu-se outra vez rodeada pela atmosfera feminina e segura que encontrava em casa. Foi apresentada a família da cunhada, que contava com um marido, dois filhos adolescentes e uma menina ainda bebê. Iracema, como chamava a dona daquela casa, era uma mulher forte e trabalhadora, tivera um pouco mais de sorte porque logo que viera para a capital trabalhar em casa de patroa, acabou por conhecer Jesuíno, um não-índio que afirmou ter se adaptado bem à aldeia urbana e ter se encantado com a cultura, os filhos adolescentes do casal ambos estudavam guarani na comunidade, além do português e inglês que aprendiam na educação formal.

Entretanto todos estavam cientes das dificuldades que o ensino público estava passando, não que isso os surpreendesse muito, pois sabiam que as classes menos abastadas eram em especial negligenciadas nessas serviços básicos. Jacira ainda visitou mais duas casas e viu a mesma de realidade de famílias com baixa renda, em uma delas havia uma jovem de quinze anos grávida, não que aquilo devesse ser uma vergonha para a adolescente, não obstante a ajudaria a tornar-se mais forte, ao menos assim torceu Jacira, acordando-se da situação da gravidez não planejada de sua prima, que mesmo em sua família, ainda era um tema delicado.

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