Gigante pela própria natureza...

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Deus é brasileiro!

Esta foi a frase mais plagiada ao anunciarem a Vila para sediar a Copa.
O governo propalou que o evento mundial traria cifras galáticas e prometeu o progresso para todo o território.

Ganhamos a construção de um estádio gigantesco, que substituiu o acanhado hospital e a velha creche que enfeiavam a paisagem da Vila.

Apesar das aplicações em infra desestrutura, os oposicionistas, com os cotovelos doloridos, se rebelaram e organizaram uma bagunça nas ruas.

Os cartolas rebateram e decidiram agradar os antipatizantes  convocando um atleta nascido e mal criado na nossa área.

Contrariando a lógica e a sanidade mental dos futebolistas, o técnico tupiniquim soletrou o meu nome na convocação.

Chorei.

Meus comparsas, que sempre me ladearam nos gramados, ficaram enciumados e, por pura pirraça, enfileiraram as manifestações.

-Beijinho no ombro!- Rebati, com o dedo em riste.

Enraivecidos, saíram às ruas empunhando cartazes repletos de reclames:

"Isenção de IPTU para os andarilhos JÁ!"

"Férias remuneradas para todos os desempregados"

"Prisão perpétua para os suicidas"

Antes da Copa nossa nação dormia e acordava ao som de tiro, porrada e bomba!

Aos poucos o impulso popular deu lugar aos discursos populistas, que amparavam a realização do torneio na entrada de capital estrangeiro.

Eu sabia que apenas figuraria no banco de reservas e que a tática do treinador era agradar o aglomerado da arquibancada.

Era nítido o amor do povo pelo país, o hino nacional antes dos jogos era cantado ao som de Vanusa e causava arrepios.

Os brasileiros, que antes da Copa se mostraram temerosos e arredios, pareciam ter entendido o quanto significava o título para a autoestima da pátria.

Não tínhamos culpa das trapaças políticas.

E chegamos à final, contra a Argentina!

No trajeto para o palco, fiquei assustado com a empolgação da nossa torcida, que não parou de gritar e nos incentivar para a batalha:

-Olê, olê, olê, olê...se num ganhá se prepara pra morrer!

Chorei...de novo!

Enquanto enxugava as lágrimas o ônibus passou pelas ruelas de uma favela, que ostentava miséria e monopolizava o abandono.

Avistei um menino descalço, com uma bola de capotão no braço e um semblante revoltante. Correu extasiado atrás do nosso coletivo e me fitou, parecendo implorar por dias melhores.

Chorar três vezes vai dar azar.-Pensei.
A imagem daquele muleque ficou pipocando em minha mente.

A decisão começou duríssima, os hermanos colocaram os corações e as facas nas pontas das chuteiras. Abusaram da truculência e, aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, o zagueirão deles trombou com o goleador da nossa equipe e quase arrancou-lhe a alma.

-Pênalti!!!

O atacante de cabelo arrepiado saiu de campo contundido e o nosso "professor" olhou para a prancheta e berrou meu nome.

-Filho, se vira!-Orientou-me.

No caminho que fiz até a pelota, os pensamentos fluíram sem permissão.

Será que ganhar o troféu resolveria todos os nossos problemas?

Perder o título seria a solução?

Corri para a bola e, com uma imprecisão milimétrica, chutei para fora.

A arena entoou um silêncio prolixo.

Nem sei quanto tempo fiquei estirado no gramado, só depois do último gandula deixar o local é que tive coragem de levantar.

Foi a única vez que governo e oposição se juntaram...para me maldizer  e amaldiçoar minhas futuras gerações.

Arrasado, resolvi ir até á favela dar um abraço no menino que tanto me marcara naquele dia.

Após contornar becos e biroscas, encontrei o guri fazendo firulas com a bola no campinho de terra.

Emocionado, tirei minha camisa suada e dei de presente pro garoto.

Ele olhou receoso e respondeu:

-Gracias, pero soy un fan de Messi!

Putz... o pirralho era argentino.

-El Papa también!-finalizou orgulhoso.

Deus é brasileiro...naturalizado!

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