Prólogo

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Prólogo
Alex “Não, Alex! Por favor!”
Ouvi a voz de Tiffany de uma forma estranha. Ela ecoava no quarto enquanto eu fazia amor com
Charlotte. As mãos da minha esposa não estavam em minhas costas, como há segundos atrás, e sim em
meu peito, também não me puxavam, mas me empurravam.
“Alex!” Sua voz chorosa não estava exatamente onde deveria estar. Não embaixo de mim e sim em algum
lugar do quarto. Parei atordoado, sentindo uma raiva incomum me invadir. De repente eu me vi com as
mãos no pescoço daquela mulher. Não era mais Charlotte, era Tiffany e eu estava dentro dela, com um
ódio mortal. Senti o gozo me atingindo enquanto a vontade de matá-la praticamente me cegava.
“Alex!” Charlotte choramingou desviando a minha atenção. Tiffany, ainda embaixo de mim, olhava-me
com pavor e mágoa. Procurei minha esposa sem conseguir encontrá-la, até que, finalmente, meus olhos
encontraram os dela.
O quarto escuro certamente me impediria de enxergar, mesmo assim eu a via. O rosto sofrido, as lágrimas
descendo copiosamente, as duas mãos que cobriam a boca contendo o grito de desespero.
— Charlotte?
E então a vergonha caiu sobre mim. Tiffany se encolheu na cama enquanto eu me conscientizava da
gravidade da situação. Olhei para a mulher, machucada e horrorizada, depois para minha esposa,
mortificada com a descoberta.
— Não! Charlotte, por favor… Minha súplica não foi o suficiente. Ela se virou e foi embora, sem ao
menos me deixar explicar.
— Charlotte! — gritei, levantando da cama.
Assustado e suado, olhei ao redor reconhecendo o pesadelo que há alguns meses me acompanhava. O
quarto escuro e vazio estava absurdamente abafado, deixando meu corpo banhado de suor. Um som
estridente ecoava enquanto minha mente tentava assimilar a realidade.
Ela não estava mais ali. Foi embora quando descobrimos a gravidez de Tiffany e desde então eu nada
mais sabia a respeito da minha esposa. Na manhã seguinte eu assinaria o divórcio. Talvez por isso a
constância dos pesadelos, ou talvez porque eu ainda sentia a sua falta, a cada milésimo de segundo que se
passou desde então.
O som agudo continuava, deixando-me tonto. Só então percebi se tratar do meu celular. Meio atordoado
procurei pelo aparelho encontrando-o no bolso da calça que eu tinha largado no chão do quarto. Peguei,
sentei na cama e atendi sem me dar ao trabalho de identificar quem seria.
— Alô — pigarreei para espantar o pavor na minha vozAlex? — A voz de Anita me deixou em alerta.
— O que houve?
— Tiffany. Ela não está muito bem.
Respirei fundo, tentando ordenar meus pensamentos.
Pouco tempo depois de desembarcarmos no Brasil, Tiffany iniciou a sua perseguição. Ela me ameaçava
de todas as formas, depois mudava de estratégia e procurava se aproximar. Eu não a queria por perto, não
queria dividir aquele momento com a mulher que arruinou a minha vida, e ela sempre fazia a mesma
coisa: acusava-me, jogava na minha cara o que eu havia feito, cobrava-me e o ciclo recomeçava, ela
ameaçava, se arrependia e voltávamos sempre ao mesmo ponto.
Eu sabia que era culpado, porém não conseguia digerir tudo o que ela já havia feito para me afastar de
Charlotte, e a mágoa sempre falava mais alto.
Foi em uma noite, após discutirmos por quase duas horas e eu ir embora deixando-a para trás sem me
importar com o seu sofrimento, que ela fez a maior loucura de todas. Deprimida, Tiffany atentou contra a
própria vida, o que me enterrou ainda mais fundo na culpa e no ressentimento.
Droga, o que ela estava pensando? Como podia ser tão leviana com a criança que carregava no ventre?
Por que sempre me colocava em primeiro lugar quando eu não merecia sequer a sua consideração? Não
quando havia feito o que fiz.
Naquela madrugada, sentado no corredor daquele hospital, sem saber se meu filho sobreviveria à
besteira feita pela mãe, encarando Anita, que me olhava sem me acusar, eu descobri a verdade sobre
Tiffany, e toda a minha maneira de encará-la mudou. Depois de dois meses sentindo apenas ódio,
comecei a entender que Tiffany só buscava companhia para dividir sua carga. Com a família longe, eu
nem sabia até que ponto eles sabiam o que estava acontecendo, ela só podia contar com Anita.
Tiffany sofria de depressão e foi diagnosticada como portadora de transtorno bipolar, o que não era
nenhuma novidade, falando leigamente, já que ela conseguia sempre demonstrar dois lados bem díspares,
mesmo muito antes da gravidez.
Anita estava preocupada com a prima. A situação só piorava. Tiffany não pensava no filho, apenas em
como me fazer aceitá-los em minha vida. Não pela criança e sim pelo amor que ela dizia sentir por mim.
Estava cada vez mais magra, não cuidava do corpo para melhor atender as necessidades da criança que
se desenvolvia em seu ventre. Falou muitas vezes em aborto, algo que eu não conseguia admitir.
Cansado e tentando me conformar com os acontecimentos, comecei a lhe dar um pouco de assistência, na
tentativa de acalmá-la. Às vezes eu acreditava que ela estava melhorando. Quando eu chegava para
visitá-la, ou para levar alguma coisa que fosse da sua necessidade, ela sorria e conversava, então,
quando entendia que não passaria daquilo, nossos problemas recomeçavam.Eu preciso ser honesto. Era impossível esconder o ressentimento. Não havia nenhuma possibilidade de
eu fingir não estar aborrecido com aquela situação. Acredito que isso a fazia piorar, mas, infelizmente,
era muito mais forte do que eu.
Tiffany queria uma família, e eu só ansiava que aquele pesadelo terminasse.
Ela parou de escrever, foi definhando com a falta do amor que eu jamais poderia lhe dar, mesmo tentando
ser o mais presente possível. Ela não se conformava e assim foi se afundando cada vez mais na
depressão.
Anita pediu licença do trabalho para cuidar da prima. Eu contratei uma enfermeira para acompanhá-la de
perto, afinal de contas, todo cuidado era pouco.
— O que aconteceu?
— A chuva de ontem parece ter cobrado os efeitos – revelou com a voz preocupada. — Ela não está
conseguindo respirar direito, está ardendo em febre.
— Merda!
Um dia antes Tiffany fez mais uma de suas loucuras. Grávida de sete meses, aproveitou a distração da
enfermeira e saiu para a rua no meio de um temporal. Só conseguimos encontrá-la quase três horas
depois, descalça e vestindo apenas uma camisola fina. Ela ficou exposta tempo demais, principalmente
por já estar fragilizada.
A situação se agravou ainda mais quando Tiffany se revelou hipertensa, de uma maneira extrema, o que
preocupou os médicos a tal ponto que ela precisou ficar em constante repouso. Sua vida e a do nosso
filho estavam em risco.
— E a pressão? Fátima está com você?
Fátima era a enfermeira da noite, que dormia com ela para ajudar em momentos como aquele.
— Muito alta. Estamos preocupadas. Ela está sentindo dor e não está falando coisa com coisa.
— Chamou a ambulância?
— Chamei, mas eles estão demorando demais. — Pelo tom de voz de Anita eu entendia que era algo
realmente grave. — Estamos com medo de removê-la sem os devidos cuidados.
— Estou indo. Se a ambulância chegar me avise.
— Certo. Obrigada!
Desde que Tiffany começou a dar sinal de insanidade, eu e Anita nos tornamos mais próximos, unindo
forças para cuidar dela, mas até isso se tornou um problema para Tiffany, que passou a fantasiar que algo
estava acontecendo entre mim e a prima.
Eram muitos problemas, como eu sabia que a culpa era minha, aceitava e me resignava, tentando sempre
fazer o melhor para acalmá-la.
Desliguei, peguei a calça do dia anterior, vesti e fui em busca de uma camisa limpa. Precisava ser rápido
e prático. Calcei um tênis, peguei a carteira, as chaves e saí para uma noite gelada, o que eu agradeci,
pois ainda estava com o corpo suado devido ao pesadelo.
Dirigi o mais rápido possível e quando cheguei a ambulância já estava na porta do prédio onde Tiffany
morava. Como o porteiro me conhecia, consegui passar sem burocracia. Encontrei Anita na porta do
quarto, o rosto assustado e preocupado. Fátima estava com o médico e mais um enfermeiro, preparandose para remover a mãe do meu filho.
— Eles vão levá-la — Anita me informou sem desgrudar os olhos da prima. — Parece que o caso é
grave.
— Sempre foi — rebati sem conseguir controlar a minha mágoa. Ela me fitou brevemente, depois voltou
a olhar a prima, meneando a cabeça como se estivesse concordando comigo.
— Assim que a maca chegar vamos removê-la — o médico se aproximou, falando com Anita.
— Este é o pai da criança, doutor — ela apontou para mim.
— Entendi. Ela será internada — ele começou a falar diretamente comigo. — A pressão está muito alta
160/120. Precisamos de um ultrassom para saber como está a criança. Ela está sentindo dores que me
levam a acreditar que sejam contrações, mas só no hospital teremos certeza de qualquer outro quadro.
— Contrações? Ela está com sete meses apenas — questionei apreensivo.
— Sim, o que é preocupante. A paciente tem histórico de complicações durante a gestação, por isso não
queremos aguardar. Só um momento que preciso resolver a parte burocrática. Um acompanhante pode vir
na ambulância com a gente, o outro deve seguir para o hospital o mais rápido possível.
— Vá você com ela — eu disse a Anita e ela negou com a cabeça.
— Você é o pai. Ela precisa de você agora, Alex.
Respirei fundo e acabei concordando. O médico se afastou e no mesmo instante a maca entrou no
apartamento. Assisti Tiffany ser preparada sem muito esforço. Ela estava muito magra. Então a
acompanhei até o elevador. Seus olhos que demonstravam medo e insegurança se mantiveram em mim
durante todo o tempo. Comovido com a sua fragilidade, segurei sua mão e ela enfim relaxou, fechando os
olhos.
*** — Como ela está? — Anita chegou alguns minutos depois ao hospital. Levava duas malas pequenas,
que deduzi serem para o caso de o bebê nascer antes da hora — se desculpou indicando as malas.
Concordei.Eles chamaram de Síndrome Hellp.
— Síndrome Hellp? O que diabos é isso? — Eu ainda tremia com o medo de que algo desse errado, por
isso mantinha as mãos no bolso da calça.
— É grave. Pediram um exame mais específico e ela está fazendo uma ultrassonografia. Precisei resolver
a burocracia do plano de saúde e não a acompanhei. Estou aguardando voltarem.
Neste momento o médico que assumiu o caso de Tiffany passou pela porta que nos separava. Ele me
olhou e caminhou em minha direção. Pelo seu olhar percebi que era realmente grave.
— Precisamos antecipar o parto — começou sem se dar ao trabalho de nos preparar. — Vai ser uma
situação delicada. A febre alta é um agravante, a secreção em seus pulmões certamente complicará o
quadro.
— O que aconteceu? — questionei preocupado.
— Houve um abrupto descolamento da placenta. É prematuro para acontecer, por isso estamos
preocupados. Precisamos remover a criança o quanto antes.
— Eles vão sobreviver? — Anita se intrometeu com os olhos marejados.
— É arriscado dar qualquer prognóstico em uma situação como esta. Precisamos dos exames para
conferir as plaquetas. Só antecipo que podemos perder os dois.
— Não! — Ela choramingou.
— Onde ela está? — Minha cabeça dava voltas e mais voltas. — Preciso ver Tiffany, doutor.
— Sim, estamos preparando-a para levá-la para o centro cirúrgico a qualquer momento. Ela está em uma
sala de observação. Só pode entrar uma pessoa. Venha comigo.
Fui levado para uma sala onde precisei me preparar com roupas específicas para que pudesse estar em
contato com Tiffany. Depois me levaram para uma sala, onde ela repousava em uma cama. Muitos
aparelhos ligados a ao seu corpo. Tiffany parecia dormir, esgotada. Aproximei-me e segurei em sua mão.
Ela abriu os olhos. O terror continuava lá.
— Alex! — sussurrou com ansiedade.
— Calma. Vai dar tudo certo. — Vi quando uma lágrima desceu dos seus olhos.
— Ele não pode nascer agora. É cedo demais.
— Os médicos sabem o que estão fazendo, Tiffany. Vai ser melhor para vocês dois.Não. Não vai! — Ela chorou, voltando a respirar com dificuldade.
— Fique calma — disse, embora eu mesmo não conseguisse encontrar a minha.
— Eu não vou conseguir — revelou chorando. — Você tinha razão o tempo todo. Essa criança é uma
coitada. Não fui forte o suficiente por ela, não consegui ser a mãe que ela precisava.
— Não pense assim. Nós estamos aqui por ele, vamos fazer tudo dar certo, Tiffany. Você só precisa ficar
calma. — Ela balançava a cabeça negando as minhas palavras.
— Você não o quer. — Fui pego de surpresa. — Eu deixei que acontecesse porque fui burra. Queria que
você ficasse comigo. Queria Charlotte longe de nós dois.
— Não pense nisso agora. Já passou, Tiffany. É passado. Vamos nos concentrar em nosso filho. — Eu
tentava em vão animá-la, tudo indicava que aquele era mais um dos seus picos de depressão. Ela apertou
meus dedos e me olhou com aflição. — Me perdoe — chorou suplicando. — Me perdoe, Alex! Eu sei
que errei.
— Tiffany. — Segurei seu rosto encarando-a firmemente. — Eu errei com você. Não aja como se não
fosse a vítima desta história.
— Não — soluçou. — Eu forcei a barra, mereci… — Não faça isso, por favor! Não tente tirar a culpa de
mim, não é justo. — Respirei fundo e passei a mão no cabelo, me deparando com a touca. Droga! — Não
vamos voltar a esse assunto, Tiffany. Nosso filho vai nascer.
— Um filho que você não quer. Que você não ama. Eu nada mais poderei fazer por ele, Alex! — Sua voz
fraca estava esganiçada pelo choro. — Ele vai ficar sozinho, como você disse. Não terá a mim, não terá
o seu amor.
— Não vai ser assim. Nós dois estaremos aqui, juntos! Vamos dar a ele o amor que merece. Vamos
cuidar dele, Tiffany. Juntos! Então fique calma, pelo amor de Deus!
Os aparelhos ligados a ela começaram a apitar. Céus! Eu estava com tanto medo!
— Tiffany, olhe para mim. Tente se acalmar! — Olhei para a porta aflito.
— Por favor, prometa que vai cuidar dele. Prometa que vai amá-lo mesmo ele sendo meu filho, mesmo
vindo nas circunstâncias que veio, mesmo tendo afastado a pessoa que você mais ama. — Engoli em seco
sentindo a mágoa empedrar em meu peito. — Prometa, Alex!
— Tiffany… — Se não conseguir amá-lo… se for demais para você… deixe que Anita o leve para longe.
— É meu filho, Tiffany! — E as palavras já começavam a embolar em minha garganta. — O que está
dizendo?
— Você não o quer — ela sussurrou, perdendo a força.Claro que quero! — E me vi surpreso com a minha afirmação. Nunca antes parei para pensar em
perdê-lo, naquele momento, enfrentando essa possibilidade, eu estava em pânico.
— Você vai cuidar dele?
— Nós vamos! — Eu me negava a acreditar que ela iria desistir.
— Prometa que vai amá-lo e perdoá-lo por ter sido concebido da forma como foi. — A voz ainda mais
fraca me alertou. Olhei outra vez para a porta e vi que enfermeiros se aproximavam. O aparelho apitava
cada vez mais. — Prometa… — Prometo. Eu vou amar este filho e cuidar dele da maneira que ele
merece — ela sorriu fechando os olhos.
— Obrigada, Alex! — Eu quase não conseguia mais ouvi-la. — Obrigada.
— Tiffany?
— Eu amo você… — Não ouvi as palavras, só as identifiquei pelos movimentos dos seus lábios.
Neste momento eles cercaram a cama me afastando. Eu não conseguia acompanhar o que acontecia, só
sabia que era grave e que Tiffany não estaria conosco quando nosso filho chegasse.

Prova final Onde histórias criam vida. Descubra agora