Capítulo 1

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A escuridão da noite caiu sobre a cidade, fazendo aflorarem os segredos obscuros que se escondiam pelos mais diversos cantos durante o restante do dia. À noite, alguns desses se aproveitavam para vagar livremente pelos ambientes, tornando-se verdadeiras companhias indesejadas.

Qualquer lugar haveria de ter seus segredos, até mesmo uma instituição como o Santa Teresa, um colégio centenário no centro da capital. Uma construção com mais de cem anos de segredos escondidos sob o telhado antigo; por trás da tinta envelhecida nas paredes, encoberta por novas camadas; por debaixo do piso antiquado; por trás do cheiro dos móveis velhos e do mofo que se acumulava pelos cantos.

As várias salas, agitadas durante o dia, agora repousavam numa harmonia silenciosa e macabra. Corredores intermináveis se projetavam para o abismo da escuridão, com suas portas enfileiradas, interligados por escadas ameaçadoras. Na quadra, o ruído regular e tenebroso do vento ecoava, como um assobio fantasmagórico vindo de lugar nenhum.

No entanto, uma das salas do andar de cima estava iluminada, o que indicava que alguém permanecia no local, mesmo após o fim do expediente. E, naquela sala, alheia à sordidez dos invisíveis segredos que a cercavam, uma mulher trabalhava sentada atrás de uma mesa. Seus cabelos castanhos e longos deslizavam por cima dos antebraços e da mesa. O rosto pálido e cansado exigia, em silêncio, o merecido descanso.

Ela olhava seus papéis, totalmente entretida. Tinha olhos castanhos aguçados, e, abaixo deles, olheiras que a envelheciam ao menos cinco anos. Eles iam de uma ponta a outra na página diversas vezes. Tinha na mão direita uma caneta com a qual imprimia símbolos incessantemente na folha de papel. Os últimos indicavam que alguém estava seriamente encrencado com os pais, pensou com desgosto.

Subitamente, a professora se viu cercada por um estranho pressentimento. Constatou que os pelos dos braços e da nuca estavam arrepiados, o que a deixou intrigada. Olhou no mesmo instante para a janela, sem saber exatamente por que fazia isso. Viu pelo retângulo de uma das janelas, a mais próxima, que o céu estava num tom de azul bem escuro que indicava ser quase sete da noite.

A mulher pretendia voltar ao trabalho, tentando ignorar aquele estranho e incômodo sentimento que havia se apoderado dela. Porém, logo percebeu que dificilmente recuperaria a concentração perdida. Olhou o relógio, fazendo uma careta e se perguntando como não notara o passar da hora. Só então reparou que a cabeça pesava e que os olhos lutavam contra ela pelo direito de fecharem por algum tempo. Havia trabalhado demais. Era o suficiente por hoje.

Conformada, a professora fitou o espaço ao seu redor. Olhou demoradamente as paredes marrons, com três janelas grandes de vidro do lado direito, a porta no lado esquerdo, a mesa à sua frente e o armário simples embutido. Apenas as três lâmpadas mais próximas estavam acesas, o que deixava a sala com um ar ainda mais sinistro. E, para completar, fileiras de cadeiras vazias compunham o cenário fantasmagórico. Em meio a todo esse vazio, ela percebeu que as únicas coisas que realmente preenchiam aquela sala eram seu mau presságio e o silêncio.

A mulher reuniu um pouco de coragem e se levantou. Esticou os braços para cima, ciente de que sua coluna protestava após um dia inteiro de postura errada. Não estava ao seu alcance ajeitar a maquiagem hoje, pois ela sabia que tinha esquecido em casa o espelhinho. Olhou para a própria roupa, passando a mão na barriga para esticar sua blusa preta básica. A calça jeans parecia em ordem.

Guardou os papéis numa pasta verde fina. Pegou a enorme bolsa preta com detalhes dourados, aparentemente pouco usada, que estava pendurada atrás, na cadeira. Durante dois segundos, admirou-a e depois começou a colocar suas coisas lá dentro. Por último, guardou a caneta num compartimento de fácil acesso que era usado especificamente para esse fim.

O Espelho do Meu Avô (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora