Capítulo 1 - O Cemitério

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  Eu ouvia "come as you are", do Nirvana com cabeça encostada na janela no banco de trás enquanto olhava para as paisagens que passavam como um borrão. Minha melhor amiga morreu e eu não sabia o que pensar, dizer, sentir, fazer, não sabia para onde olhar, não sabia se chorava, estava em choque, meu coração acelerava em um ritmo descontrolado, eu nunca me senti assim, nem quando meu cachorro morreu atropelado. Eu não conseguia deixar minhas mãos quietas, não conseguia me concentrar em nada, devia eu ter ido a aquele lugar prestigiar aquela que se foi sem dizer "Adeus"? A palavra "saudades", eu ate consigo entender, mas porque chorar por um cadáver?

  O carro estacionou e eu vi um lugar macabro, era um cemitério antigo com paredes sujas e o portão era enferrujado com partes pretas.

  Desci do carro logo após meus pais saírem, meu irmão mais velho estava no trabalho e não pôde ir, éramos apenas três, eu era o mais apegado a ela, tipo carne e unha, alma gêmea, bate o coração... Anos de amizade destruídos pela depressão, eu era o único que conseguia mantê-la de pe, ate que ela não aguentou, caiu e eu não estava la para ergue-la.

  Um certo filosofo disse uma vez que se nós tínhamos direito a vida, deveríamos nós também ter o direito a morte. Um outro disse que se nós fugíssemos da vida estaríamos sendo covardes.

-Esta tudo bem?- Disse minha mãe afogando seus dedos nos meus cabelos castanhos enquanto entravamos no cemitério. Minha mãe tinha o cabelo preto pintado na época, era alta e magra, usava um vestido preto justo na cintura e um salto preto nada adequado para a areia. Ela era a típica mulher empoderada que todo homem queria na teoria mas na pratica era outra historia.

  Eu andava sem perceber, ainda estava em choque, é difícil ficar bem quando o amor da sua vida se vai. Minha teoria é que qualquer um pode ser o amor da sua vida, não precisa ser necessariamente uma pessoa com quem você tenha relações sexuais e pretenda casar, apenas aquela pessoa que você quer estar ao lado dela ate que tudo acabe, aquela que te entende como ninguém, aquela que...

-Filho se quiser ir embora, é só dizer e nós iremos, okay?- Disse meu pai dando aqueles velhos tapinhas nas minhas costas. Meu pai sempre conversou muito comigo, porem, não era muito carinhoso. Esses tapinhas significavam algo como "estou aqui se você quiser chorar". Ele era ruivo natural, mais alto que minha mãe e usava um terno inteiramente preto. Pessoas e suas manias de associar o preto ao que é ruim, isso é apenas uma construção social racista que percorre por gerações por causa da nossa colonização. E la estava eu, de preto pois fui obrigado pela minha mae, estava com um terno igual o meu pai, porem, usavam óculos de sol preto para que ninguém pudesse ver meus olhos.

  Eu não conseguia falar ou racionar direito, meus pais falavam comigo mas as palavras não entravam em minha mente como deveriam entrar, eu apenas escutava.

  Não foram muitas pessoas, apenas alguns familiares e amigos, não contei mas acho que deveria ter umas vinte pessoas no máximo. Nos aproximamos um pouco dos pais dela, como era de se prever eles também usavam preto, não prestei atenção na roupa, não estava conseguindo processar as informações como de costume.

 Quatro homens levaram o caixão e o colocaram em cima de uma mesa feita de mármore preto para que olhássemos o rosto dela uma última vez, dois dos homens tiraram a parte de cima do caixão. Os pais dela foram os primeiros a irem olhar para aquele rosto, depois foram os meus pais e depois outras pessoas que eu não reconhecia, umas pessoas olhavam pra ela com desprezo, outras apenas choravam, cada um com sua singularidade clichê pois todos somos diferentes com atitudes iguais principalmente em momentos como esse.

-Mais alguém vai querer olhar antes que eu feche?- Disse um dos homens que trouxe o caixão. Eu não o vi, olhava para baixo, era quase involuntário. Eu ouvia a Sra. Hastings chorando ao fundo, mas sabia que ela estava perto.

O Cara do CemitérioOnde histórias criam vida. Descubra agora