A COLINA MORTA PARTE FINAL

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  A madeira crepitava no fogo brando, cozinhando o resto do feijão preto que tinham na dispensa. Marta encostada na humilde mesa rústica, coberta com uma reles toalha que mais se parecia com um pano puído, picava apressada uma cenoura pequena. Isso era tudo o que tinham para matar a fome nessa noite gelada de inverno. Com suas mãos hábeis a mulher fazia de tudo para preparar uma comida bem temperada e agradar o marido, que a essas horas já deveria estar chegando faminto da igreja. Pobre do David sempre dando o máximo de si pela família, e às vezes até se sentindo culpado por não ter condições de lhes dar uma vida melhor. As fracas colheitas dos meses de maio e junho deixara os três numa situação desesperadora, o frio devastara seus mantimentos, congelando suas esperanças e caindo como um meteoro sobre Fátima. A menina já se encontrara diversas vezes entre a vida e a morte nesses últimos tempos. As crises respiratórias estavam cada vez piores deixando David aturdido que sofria todo tempo, parecendo compartilhar a doença da filha e às vezes até chorando como uma criança desconsolada pelos cantos escuros. Aquilo era de partir o coração. Marta se sentia impotente. Uma mãe de mãos atadas, que como toda mulher sofria e chorava em sua solidão, podendo contar apenas com sua fé em Deus e nos bons princípios. Uma mulher e esposa excepcional capaz de fazer de tudo pelo marido, posto que David era um homem honesto e trabalhador, amável e carinhoso e que com toda certeza do mundo merecia dela todo amor e respeito que pudesse lhe dar.

  A mulher terminou o que estava fazendo, se virando para o armário anoso e retirando de lá uma velha panela de ferro já há muito enegrecida pelo uso. Com todo cuidado depositou as cenouras picadinhas em seu interior, e após misturar com alguns temperos de sua autoria, levou tudo ao fogo, que agora já não passava de brasas incandescentes. Enquanto misturava tudo com uma colher de madeira, Marta se pegou olhando pela grande janela de vidro contígua ao forno. O brilho opaco da lua envolvia o ambiente, e o vento audacioso soprava forte enrodilhando tudo ao redor. Pensamentos e torvelinhos de imagens passadas povoavam sua mente. Chegou a se preocupar com David que já devia estar atrasado... Foi quando congelou, sentindo os pelos da nuca se eriçar. Um vulto de formas medianas passou pela trilha se movendo de modo afetado em direção a casa. Sentiu medo. Sentiu medo sem saber o porquê. Sentiu náuseas, sem saber o porquê. Deixou a colher escorregar de suas mãos enquanto se mantinha estacada em frente a janela embaçada. Não havia mais pensamentos em seu cérebro aturdido, apenas o horror em sua forma mais literal. O trinco da porta da frente soltou um estalo fazendo menção de se abrir. O ruído foi o suficiente para lhe tirar daquele estado catatônico. Virando-se meio atordoada, gritou, sentindo a voz falhar:

- David... É você?

- sim sou eu minha querida... Será que eu posso entrar?- A reposta foi imediata.

Marta hesitante, redargüiu sem ter certeza daquilo que estava fazendo.

- que é isso David?! Entra logo homem de Deus.

  A porta abriu rangente, emitindo alguns estalos ocasionados pela madeira podre. Um demônio nunca entra em sua casa sem ser convidado, e agora aquela criatura vil havia se transformado em um convidado de honra, e iria se comportar como manda a etiqueta.

  Marta retirou o avental sujo que cobria seu corpo de formas gordas. Sentiu um alivio momentâneo, ao reconhecer a voz rouca de David. Só não conseguia entender ainda o motivo de tão horríveis sentimentos que cruzaram seu corpo naqueles segundos eternos, parecendo lhe advertir como um presságio maldito saindo do inferno. Fez o sinal da cruz, indo devagar até a pia lavar suas mãos para receber o marido. Ouviu o barulho compassado de pés se arrastando para dentro da cozinha. O tique-taque do relógio ecoava contrastando com o silencio noturno. A mulher se virou para encarar um rosto conhecido, mas com formas corrompidas, em que olhos estupefatos e sanguinolentos lhe fitavam de uma forma macabra. O susto fez com que marta balançasse os braços involuntariamente derrubando um copo ao chão. O som ecoou pela casa. O que seria isso meu Deus?! David, ou o que fosse aquilo, sorriu para marta. Um sorriso adventício que mais se confundia com um esgar forçado. Marta sentiu os pelos eriçarem enquanto o corpo tremia de modo incontrolável.

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⏰ Última atualização: Aug 26, 2014 ⏰

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