- Ei, pestinha! Acorda logo. - Quem haveria de me acordar em plena manhã dessa forma? - Olha aqui, se você não levantar agora eu vou sair e voltar com um balde de água fria. - abri os meus olhos para contemplar a face da minha irmã mais velha - E você sabe muito bem que eu não estou brincando.
Depois de ter me acordado da forma mais meiga possível, ela deixou meu quarto resmungando algo que não fiz questão do mínimo esforço para entender. Levantei-me e me preparei para mais uma semana na escola nova.
- Allan! - ouvi uma voz máscula gritar - O café está pronto, meu filho. Você vai se atrasar de novo.
Cheguei a cozinha já com meu cabelo penteado, roupa e sapatos trocados, mochila nas costas e um ânimo que espantava qualquer um.
- Vamos, tome seu café, senão vai acabar sendo expulso por tantos atrasos. - meu pai disse e riu, não sendo correspondido por mim e nem por minha irmã, que preferiu encher-me o saco.
- Com essa lerdeza dele, até mesmo sendo o The Flash ele atrasa.
- Cala a boca, Sara. - revidei.
- Parem com isso, crianças. - meu pai interrompeu e Sara "torceu o bico".
Ela odiava quando meu pai chamava-a de criança, mas não era pra pouco. Sara já tinha seus 24 anos e estava quase formando em Ciências Contábeis, trabalhava o dia inteiro para ajudar nosso pai com as despesas, além disso, ainda conseguia tirar tempo para manter a casa organizada. Sara, às vezes - ou na maioria das vezes, abria mão de viver a própria vida para cuidar da nossa. Embora grossa, sempre cuidou de mim como se fosse minha mãe, apesar de não poder substituir o lugar dela. Minha irmã me fazia raiva, mas devo dizer que admiro ela.
- Eu vou trabalhar. Não quero pegar a mania de atraso de vocês. - ela levantou-se da mesa, na qual mal tinha sentado-se, e pegou suas coisas. - Tchau, papai.
Papai apenas acenou com a mão e resmungou algo que ninguém entendeu, sua boca estava cheia de biscoito. Agradeci sarcasticamente pelo "tchau" que Sara não havia me dado. Ela, é claro, não deixou barato.
- Tomara que enfiem sua cabeça na privada hoje. - retirem a parte do "eu admiro ela" que mencionei anteriormente.
***
Fui para a escola acompanhado de meu pai, de ônibus. Ele pegava trabalho no mesmo horário em que as aulas começavam. Eu estudava em outro bairro e ele trabalhava no centro, então ele sempre descia antes de mim e eu seguia no transporte cheio de gente que não parava de conversar.
Chegando na escola, fiz o que sempre faço todos os dias, cobri a cabeça com o capuz da blusa e passei reto até a minha sala sem reparar muito os lados ou quem estava a minha volta. Não queria que um grupo específico de garotos me visse. Consegui chegar na sala são e salvo dos valentões, mas não dos idiotas da minha turma.
Por eu ter chegado no meio do ano e a minha antiga escola ter sido incompetente ao transferir minhas notas, eu fui para a turma dos "burros" - metade repetindo o ano pela primeira, segunda e até mesmo terceira vez; uma parte com dificuldade em quase todas ou todas as matérias; e a outra parte que não queria saber de estudar e só atrapalhavam as aulas - já que não sabiam como eu realmente era nos estudos.
- Bom dia, meninos! Já vamos acalmando os ânimos e sentando cada um no seu lugar. - essa é a professora de história, Ellen - Na aula de hoje iremos revisar o conteúdo desse bimestre, porque na próxima aula teremos uma atividadezinha que irei avaliar.
Houve murmúrios e reclamações dentro da sala, já que a aula dela seria numa quarta-feira nos dois primeiros horários. Eu? Só revirei os olhos. Eu estava super tranquilo, já tinha estudado a matéria dela na escola anterior - que, por sinal, embora incompetente no serviço, estava se demonstrando mais avançada no ensino. E fico feliz com isso. A professora Ellen era uma boa pessoa, amigável, conversadeira, ajudava quem precisava, mas, apesar de saber explicar a matéria bem, ela nunca explicava por conta de... bem... distrações.
- Professora, meu pai disse que a ditadura militar nunca aconteceu e que isso é uma história contada pelos "esquerdopatas" fascistas. - um aluno gritou no meio da bagunça.
- Como? - Ellen se virou para ele indignada. - Como o seu pai pode dizer uma asneira dessas? Com certeza ele não frequentou uma escola adequada ou não prestou atenção nas aulas de história.
- Ah! Meu pai não era um grande estudante não, mas ele viveu na época e disse que era muito melhor do jeito que era. - o aluno continuou, com certeza debochando. Para que? Bom...
- Escute, Mateus, eu não cursei bacharelado em História e depois em Sociologia na UFMG, fiz quatro pós-graduações e mestrado, além de ter vinte e dois anos como professora de história e sociologia para chegar em sala de aula e ouvir de um aluno que o pai dele, que nem um bom estudante era, sabe mais do que eu. - Esse era o tipo de "distração" que eu tava falando.
Ellen detestava quando faziam essas afirmações absurdas, por conta disso, começava a querer explicar como foram as coisas, algo que estava além da nossa matéria. Mas o que me irritava não era ela tentando explicar a verdade para os alunos, na verdade, eu também ficaria extremamente indignado... se eu não soubesse que era apenas um plano para não termos aula de verdade. Isso era o que me irritava de verdade.
Como eu já estava acostumado com isso, apenas abaixei a cabeça e dormi na sala, acordando apenas no recreio. Sim, eu dormi por três aulas seguidas sem que ninguém me acordasse, nem mesmo os professores. Os alunos da minha turma não se importavam nem um pouco com as aulas, isso fez com que os professores também não se importassem com o que os alunos faziam em sala.
Ah! O recreio. Melhor horário da escola. Eu podia lanchar e descansar a cabeça sem que ninguém me incomodasse, bastava apenas ir para o jardim que ficava do lado da quadra. Ninguém ia lá. Apenas se...
- Ai! Você mordeu meu lábio de novo, garoto.
- Desculpa! É que é minha primeira vez.
... se alguém não encontrasse outro lugar para ficar nos seus "amassos". Sinceramente, queria entender essa coisa desesperadora de ter como contar quantas pessoas já beijou. Ou na linguagem "aborrescente": com quantas pessoas já "ficou".
Depois do recreio, as duas últimas aulas foram de Educação Física. Durante elas, eu só ficava sentado na arquibancada fazendo nada com nada. Eram os dois piores horários para mim e os melhores para todos. O bom é que o professor nos liberava antes mesmo do sinal tocar, assim já íamos para o portão esperar sua abertura para a saída, e ali, sabendo que iria sair antes de toda a escola, eu já poderia comemorar o fato de ir para casa sem ser visto por eles. Mas é uma pena que isso só ocorria na segunda-feira.
***
O ônibus sempre demorava mais na volta para casa do que o na ida para a escola, graças a isso, eu geralmente chegava depois do horário em que minha família estava em casa para o almoço, ou seja, eu ficava responsável por comer e arrumar a cozinha. Logo após, eu gostava de ir a praia apenas para respirar e relaxar um pouco. Nessa época de inverno, tinham poucas pessoas na costa do mar, o que tornava o ambiente melhor ainda.
- Ei, garoto!
Ouvi uma voz que, com certeza, procurava por mim, respirei fundo antes de me virar e soltar toda a minha indignação por ter meu momento invadido.
- Ah, qual é, Sara? - gritei e me virei para ela, encontrando um olhar preocupado, mas continuei com minha fala - Nem aqui você me deixa em paz?
- Começa a usar o seu cérebro pra alguma coisa, garoto. - ela revidou antes de se explicar - Papai sofreu um acidente.
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O Reino Perdido
AventurăOi, meu nome é Allan e eu tenho 13 anos. Recentemente, eu me mudei de cidade e atualmente moro em Vitória, no Espírito Santo. Minha vida virou uma bagunça depois disso. Muita coisa mudou e ainda estou tentando me adaptar, mas uma coisa que não mudou...