Capítulo 1 - Thales Boldrini

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Estacionei o carro em minha vaga e descarregamos as malas, Jean permanecia em silêncio entendendo que aquele não era um bom momento para mim, no geral ele era muito falante e tirava sarro de toda e qualquer situação, mas ele me conhecia bem e sabia que qualquer palavra idiota naquele momento me faria explodir. Quando o elevador abriu as portas no andar em que ficava seu apartamento ele saiu do elevador juntamente com sua mala.

- Está tudo bem cara? Quer dizer... - ele disse assim que estava fora do elevador.

- Tranquilo! - Respondi enquanto lançava a ele um olhar frio e com isso a porta do elevador se fechou.

Levou poucos segundos para chegar ao meu andar do prédio, somente um acima do andar de Jean, e assim que as portas se abriram senti um doce aroma por todo o hall, apesar de ser um cheiro suave, estava fortemente presente, deixando claro que com certeza isso não se devia a uma mudança dos produtos de limpeza que a zeladora usava para limpar o chão do hall, mas não dei muita atenção à isso. Quando abri a porta do apartamento e dei um passo para dentro meus ombros caíram, e aquela postura de que estava tudo bem sumiu em meio a fúria que somente naquele momento me permiti sentir.

Eu não podia acreditar que Celeste tinha feito aquela merda comigo, eu dei tudo a ela, larguei a vida de solteiro que eu adorava, cortei mais da metade do meu círculo de amigos, me distanciei dos meus pais, eu nem ia mais almoçar aos domingos com minha mãe porque ela preferia ir ao shopping e comer por lá, eu a amei, fiz e fui o melhor possível. Talvez o problema tenha sido exatamente esse, ela sabia que me tinha na palma da mão, então achou que podia fazer o que quisesse que ainda sim ficaria tudo bem, ou que eu estava tão tapado que não veria o que ela estava fazendo. Aquela viagem também foi idéia dela, e eu devia ter desconfiado quando ela insistiu tanto para que eu levasse Jean, dizendo que ela também levaria alguns amigos e então ao invés de levar de fato "alguns amigos" ou "uma amiga", ela levou somente um cara que eu nunca tinha visto. Mas eu confiava nela cara, me enganei e achei que ela me amava assim como eu a amava, mas é lógico que eu estava errado.

Então olhei para a mesa de jantar e lá estava o vaso ridículo que Celeste havia colocado para decorar, dizendo que meu apartamento precisava de um toque feminino e principalmente de bom gosto. De bom gosto? Porque na época eu não achei que isso soava como um insulto tanto quanto estou achando agora? Eu ri de mim mesmo, como eu fiquei tão patético que até mesmo deixava ela me insultar assim? Então sem pestanejar eu atirei na parede o vaso horrendo e ridiculamente caro, também quebrei as cadeiras ridículas que ela havia escolhido. A raiva havia me tomado completamente, descontrolado quebrei outras coisas dentro do apartamento, revoltado com a idéia de eu ser um chef de 29 anos, esperto e bem sucedido e ainda sim fiz papel de idiota, me deixei ser um tapado, um cachorrinho manso por um par de pernas, a esta altura é claro eu já estava questionando a parte de ser esperto. Tudo em volta parecia ter ficado mudo, apesar de eu estar quebrando tudo e também esbravejar, não conseguia escutar nada, eu nunca havia me descontrolado assim, mas não conseguia pensar em nada que não fosse a cena que flagrei de Celeste somente de sutiã e calcinha em cima daquele cara com cara de fracassado.

Foi então que a coisa mais estranha aconteceu, no meio daquela fúria toda, ouvi um canto, uma mulher cantava alegremente a musica "Perfect" do Ed Sheeran. Não sei como ou o que aconteceu direito, mas aquilo me fez parar, ela parecia não se importar ou não estar ouvindo a baderna que eu fazia, ela estava tranquila, e eu ofegante e com o coração disparado. Olhei ao redor e me dei conta da destruição que eu causara. Ótimo! Agora além de ser corno vou ter que comprar mobília nova. Parabéns espertalhão!

Fechei os olhos na tentativa de me acalmar e fiquei ouvindo a música, pensando que aquilo com certeza era fruto da minha imaginação, mas como estava de fato me acalmando me deixei escorregar para o chão.

Acordei no chão, no mesmo lugar em que eu me lembrava de ter me sentado logo após o acesso de raiva. Uma batida insistente soou à porta e percebi que foi isso que me acordou, eu não tinha a mínima vontade de atender, mas as batidas determinadas mostravam que quem quer que estivesse lá não iria embora. Me arrastei até a porta e abri, Susan estava retorcendo as mãos apreensiva, ela é uma amiga que fiz ali no prédio, é minha vizinha da frente, e um dia apareceu em meu restaurante atrás de um estágio, claro que não neguei e desde então ela tem trabalhado comigo, quando a vi ali em minha porta fiquei feliz em manter essa amizade longe dos olhos de Celeste.

- Thales! Graças a Deus, eu já estava para chamar o porteiro e pedir para que abrisse sua porta com a chave reserva. Ouvi aquela barulheira toda e fiquei assustada, não sabia que você tinha chegado. Bati aqui mas acho que você não me ouviu, então interfonei para Jean e ele disse para que deixasse você. - Susan despejou tudo de uma vez.

- Desculpe Susan, não quis te assustar!

- Tudo bem, só fiquei preocupada. Jean não quis me dizer o que houve.

- Hum... Você se importa se não falarmos disso?

- Sem problemas, desde que você fique bem. Tenho comida pronta, quer jantar? - Ela disse e sorriu.

- Não sou uma boa companhia hoje, acho que prefiro ficar sozinho!

- Ah.. Ok então, mas você sabe que pode aparecer a hora que quiser certo?

- Certo. - Consegui esboçar um meio sorriso e ela virou as costas e seguiu para seu apartamento.

Essa era uma das coisas que eu gostava em minha amizade com Susan, se eu precisasse ela estaria lá para ajudar, mas se eu quisesse espaço ela também me daria sem ficar ofendida. Resolvi tomar um banho e ir dormir mesmo sendo 8:30h da noite.

Por volta das 11 horas da noite eu não sabia ao certo se eu estava acordado ou ainda estava dormindo, mas ouvi a voz daquela sereia novamente, mas desta vez era diferente, eu não conhecia a música mas parecia ser uma espécie de canção de ninar. Fiquei escutando por um momento tentando me concentrar mas apaguei logo em seguida. 

O Canto da Sereia - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora