"Às vezes eu fico pensando" a voz suave, porém firme, de Carol, quebrou o silêncio. "Em... sabe? quebrar as coisas de algum jeito. Como correr num campo enorme e verde. Ou... ou o litoral e nadar... no mar. No mar de verdade." Enquanto ia dizendo essas coisas, ela deixava que as imagens se formassem em sua cabeça. Sim, correr num campo onde o campo de visão não poderia ser mais amplo. E o mar, nossa!, não era meio que o sonho utópico de todos ali, mesmo que metaforicamente? Em algum lugar lá fora, do outro lado de alguma coisa, deveriam estar as respostas.
Ela não se surpreendeu que até seu devaneio tivesse raízes fundas demais na realidade.
Daryl a observava falar, com os olhos um pouco apertados, como se tentasse compreendê-la. Com a besta às costas e os braços relaxados --- ou o mais próximo disso possível, ja que ele estava sempre a postos. Mas ali era terreno neutro.
Eles tinham sido deixados a sós casualmente. Fazendo guarda juntos. Algo que poderia ser mais usual, mas que por alguma razão não acontecia com muita frequência. Eles eram sempre solicitados em operações distintas e sobrava pouco tempo para se encontrarem.
Só o fato de terem se reencontrado de um jeito improvável pela segunda vez, entretanto, já os deixava mais confortáveis, na medida do possível. Ambos falavam pouco. O material para conversação era, em maior parte, doloroso. Então bastavam os olhares --- longos, cortantes, significando tudo --- e, no fim, Carol arramatando com alguma frase leve terminada em Pookie. A lista de códigos que eles usavam era grande demais e já estava começando a ficar incômoda, era o que Carol achava. E ela sabia que Daryl também achava. Quanto mais ele se fechava, mais parecia um livro aberto para ela.
"Como consegue desligar?", ele perguntou, mirando os olhos cristalinos dela com os próprios olhos claros, numa dúvida genuína. Não conseguiu sustentar o olhar por muito tempo, entretanto, e olhou para longe, da janela da torre onde estavam.
Ela continuou olhando-o enquanto respondeu.
"Não consigo."
Ele tornou a olhá-la. Cada vez que seus olhares se cruzavam, era como uma corrente elétrica. Duas fontes de energia sobrecarregadas. Carol se perguntava como ele não explodia. Ela sabia que estava prestes a explodir.
Nas raras vezes em que Carol e Daryl ficavam sozinhos, um padrão se formava. A princípio, eles ficavam confortáveis um com a presença do outro, sentindo o único e poderoso tipo de segurança que se podia ter ali: por saber que o outro lutaria tão duro como si próprio para protegê-los. Uma confiança implícita que era o maior laço que eles já tinham formado depois que tudo começara. Mas os minutos passavam, e uma inquietação começava a surgir. A de Daryl era visível em seus olhos. Ele mal encarava Carol, fugia dos olhos dela, olhava para longe. A de Carol se manifestava nas mãos. Ela alisava distraidamente o cabo da arma na cintura enquanto a mente não parava. Punha o cabelo curto atrás das orelhas e pensava. Não, ela nunca conseguia desligar, de uma coisa ou outra.
"Eu só acho que temos que aproveitar o tempo que temos da melhor maneira possível", disse isso com os dedos formigando, vacilantes sobre o revólver, mas com os olhos passando pelas veias nos antebraços de Daryl.
Ele não teve outra escolha a não ser erguer os olhos para ela. A expressão no rosto de Carol dizia que aquilo não tinha mais volta. Daryl corou fortemente e permaneceu em silêncio.
Carol deu um risinho com o canto da boca. Depois soltou o ar, como se estivesse segurando essa respiração por um bom tempo.
"Qual é, Daryl? Até quando vamos negar isso? Não devemos nada a ninguém. Não temos nada a perder."
Ele ainda a olhava nos olhos. Se desviasse, seria um covarde. Carol sabia a situação em que o tinha colocado --- mas simplesmente não podia mais ficar sozinha nessa situação.
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desarmados
RomanceParecia ridículo que existissem mortos-vivos no mesmo mundo em que existiam aquelas sensações. caryl. +18.