Conto de N° 2 - Letz

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  O tempo estava ameno, delicioso para uma noite de sábado onde pudesse ficar sozinha em casa, esforçando seus neurônios em si mesma e em seus pensamentos aconchegantes, para Letícia esta era a noite ideal, talvez com um pouco de suco, já que não bebia vinho, muito menos refrigerantes, todavia, havia sido convidada a um evento, e tinha uma mania perigosa de não saber dizer não, teria de ir, poderia até ser divertido afinal, pensou para si mesma; jovens adultos bêbados, em idade de universidade, dançando ao som de uma música indie tortuosa para ela que preferia um pop mais casual, mas as coisas eram assim na Inglaterra, onde morava. Era uma cidade pequena, todos se conheciam, estudava em Duhram, a universidade que foi palco para Harry Potter e seus filmes, no fundo de seu peito sabia que aquela havia sido a razão para escolher ela dentre tantas outras, de qualquer forma, fora a melhor decisão já tomada, pois a cidade de mesmo nome da instituição tinha uma energia feérica compulsiva que se tornava viciante para qualquer um que habitasse suas terras, como a ruralidade da ponte que se estendia para a universidade acima de um lago com cisnes e patinhos que iria alimentar constantemente em seu tempo livre. Percy era sua melhor amiga na cidade, uma moça de pele negra e cabelos cacheados cheios, um sorriso encantador e uma doçura que entrava e contraste com a timidez de Letícia, andava com ela e outras pessoas no campus, qualquer um se daria bem com ela, era amável, calma e paciente.  A festa era na casa de um dos poucos estudantes de seu curso que não moravam em dormitórios, quando chegou, notou a presença de muitas pessoas talvez, para um ambiente apertado, mas tentou não se incomodar pois maioria dos fraternos colegas tinham aquele calor humano como única faísca para despertar a vida. Em um canto da casa estavam os edgy, provavelmente cursavam inglês ou psicologia, fumavam algo contra a janela pois o dono da casa estava desesperado por conta do aluguel, não poderia deteriorar o ambiente. Percy estava lá, junto de sue namorade Louis, que a receberam de fato, com muito apreço, mas de um tempo com as bebidas rolando e a música melancólica tocando, rapazes fazendo piadas sem graça e drogas para todos os lados, Letícia se sentia um tanto deslocada, havia sentado no sofá, conversado com algumas pessoas, sorrindo gentilmente e tentando manter as conversas, porém tudo parecia muito caótico, sentia falta do que era seu, ao invés daquele rock alternativo infernal, um pagode ou um axé em dias ensolarados ao invés de nublados, a solidão que vem com a imigração para um lugar tão oposto que se torna sufocante, as cores da festa eram bonitas, pelo menos, tinham sua cor favorita no jogo de luzes, uma energia roxa, que estava em contraste com o céu enevoado de mesmo tom, um céu tão belo, uma noite tão preciosa, para que desperdiçá-la, afinal, estava vivendo o seu sonho de contos sherlockianos, olhou para o canto e avistou uma pequena escada, discretamente encostada no lado direito da parede, levantou da cadeira onde sentava com um petisco de gosto terrível em mãos.
— Aonde vai, Letz? — Perguntou Percy em seu sotaque britânico adorável quando notou que levantava, por um triz diante de todo o som conseguiu ouvir.
— Irei tomar um pouco de ar,  não se preocupe.
Percy apenas a deixou ir e voltou a festejar junto de Louis e outros colegas e desconhecidos.
A mudança de ares foi instantânea para Letícia, como em um conto de fadas, as luzes mágicas de Duhram, podia ver todos aqueles prédios antigos e ainda nem havia subido a escada por inteiro, quando chegou, teve um alívio, a música ainda ecoava, mas aos poucos o gênero mudava, ouviu ruídos do grupo de alternativos pedindo para que tocassem lorde, e "ribs" se mesclava com o vento gentilmente no topo do mundo, no topo daquela casa, Letícia estava sozinha, mas nunca esteve tão bem acompanhada; tanto tempo que passou se martirizando, se sentindo mal por ser ela mesma, odiando sua própria pele, e agora se via amando estar consigo, estar sozinha, em um laço inseparável de amor, um infinito de ideias e vivendo todos os seus sonhos mais profundos. Muitos achariam que sentar na laje de um edifício e olhat para o horizonte pode ser melancólico, mas naquele momento era luxuoso, era ver todas as oportunidades desenhadas pelas estrelas, não vivia em devaneios, era contra sua natureza, se preocuparia com as coisas reais de seu mundo real, mas às vezes era inevitável se encostar no encantado. Sentou contra uma parede de tijolos, como ninguém havia subido, nem mesmo tido a ideia de fazê-lo? Não compreendia os eventos sociais e essa necessidade de trocar suor e energia. De repente, ouviu passos em direção ao seu recanto secreto, passos lentos, uma voz se aproximou, mesmo que longe, e perguntou
— Há alguém aí?
Letícia sentiu um medo correr sua espinha, mas percebeu que não havia motivo, não era ilícito amar as estrelas, ainda estava se acostumando com a ideia de sua existência ser certa, e não um conjunto de coisas erradas e proibidas. Ficou aliviada por não ter que falar nada, a pessoa já havia notado sua presença antes que tivesse tempo de responder, era Arnav, o moço que estava tomando conta da casa, por sorte era gentil, o conhecia de outras sociais, talvez algumas mais civilizadas, ou eventos oficiais da faculdade.
— Letz, não ache que irei questionar o porquê de estar aqui muito menos repreender, vim fazer o mesmo.
Disse em um tom calmo e distraído.
— Não iria questionar suas razões, Arnav, a casa é sua, eu que deveria deixá-lo sozinho, já que provavelmente veio aqui pra isso, perdão.
Disse Letícia se preparando para levantar.
— Não, fique, por favor.
Disse com um sorriso gentil, olhando diretamente para ela, como se fosse o mundo inteiro, mesmo naquele momento, com tantas pessoas. Em silêncio decidiu ficar ali, voltou ao seu lugar e o silêncio permaneceu, o silêncio que vem quando duas pessoas entendem uma a outra e não precisam trocar nenhuma palavra.

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