Papoulas Infindas

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   Eram por volta das quatro e quinze da manhã e Dr. Robert Wester estava primeiro andar do hospital Boston Medical Center, setor de urgência e emergência, sessão de trauma; não era onde o rapaz buscava se especializar ao fim de sua residência, esperava o resultado de uma promoção para neurologia, porém, havia sido convocado para dar suporte já que estavam precisando de médicos naquela área. O paciente já havia passado pela triagem, feita de forma abrupta e apressada por Lucy, uma enfermeira experiente que Robert diria ser melhor do que maioria dos médicos em sua classe da universidade. O caso havia sido classificado como de ressuscitação, onde os paramédicos haviam realizado RCP antes da chegada ao hospital. Charles Karsten, dezessete anos, acompanhado da mãe, que chorava desesperadamente na recepção do hospital, havia sido reconhecido por um colega que o acompanhava durante o incidente, o mesmo que chamou a ambulância, apesar do receio admitido mais tarde. Era um caso claro de overdose causada por opioides ilegais, provavelmente heroína, supôs Dr. Walter, que entrou em cena ao aplicar a solução intravenosa de narloxona imediatamente.  O rapaz estava desacordado em sua maca, que percorria pelo corredor do hospital em direção à um canto onde pudesse ficar. A narloxona não parecia ter sido suficiente, posto que o paciente ainda estava com a respiração rasa, Wester tentava agir da maneira mais ágil possível, administrou outra dose do remédio enquanto enfermeiras performavam mais uma RCP com os desfribiladores em busca de retomar os sinais vitais da vítima, seu rosto estava já um tanto desfigurado.
— Chegaram tarde demais, esse menino claramente teve um AVC. Escape por sua mãe rapaz! Vamos, Força!
Disse Wester, retomando mais uma dose do antídoto para opioides, enquanto os outros profissionais tratavam, não importava mais o exame toxicológico naquele ponto, era claro que a dose estava muito forte para lutar contra a corrente. O paciente estava com o coração fraco pelo ataque cardíaco ocasionado, junto dos derrames cerebrais que qualquer um em plena consciência saberia localizar.
— Vale a pena tentar angioplastia, Doutor? — Questionou um enfermeiro que estava encarregado do RCP.
— Sempre vale a pena! Rápido, iniciar procedimento de angioplastia!
  Os batimentos cardíacos se fecharam. Wester testou suas pupilas com a lanterna pela última vez; não respondia. Declarou o atestado de óbito para as 4:32 da manhã, causa da morte: ataque cardíaco e repetidos derrames cerebrais ocasionados pelo abuso de opioides.
  Robert Wester morava sozinho em um loft no centro da cidade de Boston, ganhava o suficiente em três plantões para manter sua alta qualidade de vida, embora não tivesse muito tempo para respirar fora do hospital. Vinha de uma linhagem de nepotismo médico onde todos os seus caminhos foram facilitados por seu sobrenome, mas diria que sempre fez questão de andar na linha da honestidade. Aos vinte e sete anos de idade é difícil estar em um estágio avançado em sua carreira, era residente e trabalhava em um hospital universitário, da mesma universidade em que foi o aluno laureado por todos os anos, sempre fazendo o esforço ideal para a perfeição, para a saturação perfeita nas aulas de anatomia, para as madrugadas acordadas que o ajudariam a manter seu nome e seu legado em um nível alto.
  Preparava o seu café puro e preto na sala de descompressão, procurava sobreviver ao resto de sua jornada, desta vez, não o completaria na área de urgência e emergência, o que daria para ele uma folga da tensão que tanto detestava, aquela pressão que o fazia sentir tudo que mais odiava: a alta possibilidade de cometer um erro, como havia deixado ocorrer há pouco. Enquanto realizava a sua tarefa, deixou alguns pingos do líquido escaparem para a superfície da mesa quando ouviu a porta se abrir rapidamente, e entrar um grupo de residentes de sua turma; Hunter Morgan era um deles, um homem alto, costumava ser atleta na escola, e na universidade era o único a frente de Wester, no hospital, todos os holofotes naturalmente se deslocavam para que Morgan pudesse brilhar assim como socialmente sempre brilhou, com suas notas impecáveis, seu temperamento ideal e calma invejável, que conseguia todas as garotas que Robert ousava desejar, e ainda tinha a pachorra de abordar Wester, conversar com ele, e tratá-lo com bondade como se quisesse amostrar sua boa índole para todos. Wester ouviu um pouco do que papeavam em tamanho júbilo, não faziam questão de esconder; a promoção para atendente de neurologia, almejada e vítima da ganância incansável de Robert Wester, havia sido praticamente ganha por seu pseudo-rival. Amy, uma de suas colegas, tapeou seu ombro para incluí-lo na conversa.
— Wester! A chefe de neuro estava conversando com Morgan... Deixou escapar que ele era o principal alvo para o cargo! Não é incrível?
— Estupendo! — Tentou esboçar sua alegria mais fria. — Meus parabéns, Dr. Morgan. — Se apressou para sair da sala, esquecendo de tudo que havia ido fazer ou de seus planos para o restante do dia, em um movimento pouco pensado por conta da pressa, por um delize, enganxou- se no fio da pesada máquina de café e deixou com que esta caísse sobre seu pé, gerando uma dor instantânea e pesada. Instantaneamente foi acolhido pelos que o rodeavam, e piadas sobre a sorte de já estar em um hospital durante o ocorrido foi o que mais ouviu pelos minutos seguintes. Uma estagiária supervisionada por ele, de nome Penelope Logan, ou, Poppy, como era chamada por todos, o levou para uma cabine no setor mais próximo.
— Obrigada Poppy, irei adicionar isto em seu relatório, ganhou 10 pontos comigo. — Riu Webster em desvantagem. Gostava da moça, talvez fosse sua única confidente naquele ambiente, seu alicerce, como muitas vezes iria se referir à ela, em uma paixonite boba demais para um profissional de tanto prestígio.
— Não há de que. Foi feio, um acidente muito feio, parece ter quase torcido o pé! Que dor terrível. — Disse a moça, concentrada no problema em sua frente, enfaixando o pé de seu superior.— Tome Tilenol com codeina, passa mais rápido do que qualquer outro tratamento, e deveria ir pra casa, não vale a pena trabalhar com essa lesão. Sabe que eu velo por ti.
— Sempre vale a pena, Poppy, sempre. Agora, muito obrigado por todo o auxilio, novamente. Volte ao seu trabalho, vi que a Dra. Amy Foster te chamou na ala de cardio e talvez tenha uma chance de ver uma cirurgia, ouvi falar que ela vai performar um reparo de um aneurisma coronário, eu não perderia essa se fosse você.
— Serio!? Obrigada por avisar Robert!! Nem me toquei, obrigada mesmo! — A moça saiu às pressas, escorregando suas crocs pelo chão recém encerado, quase tombando ao chão.
Wester ficou sozinho alí, culpando internamente a si mesmo por estar sentindo uma dor, por estar faltando o seu trabalho, perdendo oportunidades; estava sentado em uma maca como se fosse paciente, não doutor. Poppy havia deixado uma caixa do tilenol com codeina ao seu lado, era para aquela função, silenciar sua dor; sabia que não faria mal à ninguém tomar mais de uma pílula, já corria risco, já estava para trás de Morgan, não podia arriscar perder desta vez, ele deveria ultrapassar. Engoliu os antídotos e retornou ao ofício.

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⏰ Última atualização: Mar 29, 2021 ⏰

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