Capítulo Único

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Hogwarts, 1922

Caminhar pelos corredores de Hogwarts à noite sempre fora a fórmula perfeita para trazer o mínimo de paz para Albus Dumbledore, embora tal palavra fosse quase inexistente em seu vocabulário. Enquanto observava os quadros, e recebia alguns acenos das pinturas, tentava ao máximo direcionar seus pensamentos às aulas que aplicara no dia. Repassou cada palavra proferida e as perguntas dos alunos interessados. Era quase impossível alguém dormir durante suas lições.

O professor possuía um dom que Hogwarts não encontrava com frequência. Ele transmitia o saber de forma plena. E não havia mais nada no mundo que fosse capaz de distanciá-lo dos pensamentos perturbadores que ensinar. Ser uma pessoa inteligente fora quase sua ruína, pois nem sempre a inteligência vinha acompanhada de esperteza.

Sua sede pelo saber o levara a cair sem pensar, fascinado pelas palavras exultantes de Grindelwald sobre a superioridade mágica em relação aos trouxas. O rapaz brilhante que lhe oferecera a chance de se afirmar como o gênio que sempre fora, sobrepujando a imagem manchada da família graças ao seu pai. Não, não foram só suas palavras, pensou, passando a mão pelos cabelos que começavam a acinzentar. Esse sentimento de algo mais o destruía.

Após a morte de Ariana e a fuga de seu companheiro de planos, restara retornar ao lugar que sempre considerara seu verdadeiro lar: Hogwarts. Com o passar do tempo, os convites para assumir o Ministério surgiram, mas seu receio era muito maior. O medo de repetir os erros de outrora e se deixar levar pelo poder, mais uma vez, poderia tomar proporções ainda maiores tratando de um posto tão alto hierarquicamente.

Lecionar fora a saída para lidar com tanto conhecimento absorvido ao longo dos anos de estudo. E ainda poderia transmitir, de certa forma, sua experiência de vida para impedir que outro jovem promissor seguisse seu caminho. Precisava salvar aqueles que ainda podia, já que sua irmã estava além de sua alçada.

Só de pensar na possibilidade de ter matado Ariana, seu coração doía em eterno pesar. Ainda assim, não podia deixar de se perguntar o porquê de sua mente se voltar com frequência a Grindelwald. Por que sua imagem o atormentava na mesma proporção que a imagem de sua irmã, jazendo inerte no chão, morta? Devia odiá-lo com todas suas forças, mas não conseguia. O rapaz jovial e cheio de ideias sobre dominação... Tudo parecia tão atraente, afinal, por que os bruxos deviam se esconder quando possuíam, literalmente, o poder em suas mãos?

Porque o poder deve andar de mãos dadas com a sabedoria, e todas as suas implicações devem ser vistas com o máximo de responsabilidade, era isso que sempre dizia para si mesmo. Contudo, Grindelwald falara com tanta paixão que o contagiara sobremaneira; de tal forma que nunca mais poderia ser apagada de sua mente e coração. Uma cicatriz que nenhuma magia seria capaz de remover, servindo como lembrete para suas ações. Como um lembrete dele...

Quando a caminhada não era mais o suficiente para apaziguar seus sentimentos, sua única saída era dormir e torcer para que seus sonhos não o traíssem. Porém, quando estava prestes a abrir a porta de seus aposentos, pôde ouvir o tilintar de algo se quebrando.

Com a varinha em riste, abriu a porta com cuidado. A escuridão em seu quarto já lhe era costumeira, por isso estranhara a vela acesa sobre sua escrivaninha. Aos pés desta, estilhaços de uma taça de vidro que sempre usava para tomar sua usual dose de uísque de fogo antes de se deitar. Não costumava deixá-la naquele lugar, assim como não era de seu feitio deixar qualquer janela aberta ao sair.

As sombras encobriam o seu visitante, pois tinha plena certeza de que a pessoa que invadira seu quarto ainda estava ali. Até que uma leve brisa levou um perfume familiar às suas narinas.

Minha FraquezaOnde histórias criam vida. Descubra agora