Capítulo 2: O Início

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Poderia ser mais uma daquelas histórias onde um pequeno acidente une duas pessoas que viverão uma linda história de amor. Mas não é o que acontece aqui. Essa história começou há muito tempo, quando eu era apenas um adolescente de quinze anos e não tinha grandes preocupações na vida.

Me lembro bem do dia em que ele chegou à nossa casa, todo acanhado e querendo se esconder atrás das coisas. Lembro também de antes disso, quando tia Rosana, irmã da mamãe, ficou doente e mamãe nos avisou que talvez precisasse cuidar do filho "adotado" dela. E que antes de ele chegar, ela nos orientou para que fôssemos pacientes e condescendentes com o garoto, pois sabia que Paolo e eu, e até Claudina, não éramos nada fáceis.

Fiquei sabendo da história dele por alto, ouvindo as conversas de minha mãe com outras pessoas. Tia Rosana, irmã dela, era uma solteirona endinheirada e não tinha muito com o que gastar. Vivia nos dando presentes caros. Em 1989, quando viajava pelo sul do país, ela teria encontrado uma mulher pobre numa rodoviária que teria lhe dado uma criança dizendo que não poderia criá-la. Era um lindo loirinho, segundo minha mãe, e minha tia afeiçoou-se a ele (sendo minha mãe, eu sei que ela perdoava o fato de a irmã adotar um "filho de estranhos" apenas porque se tratava de um "loirinho lindo"). Ele devia ter cinco ou seis anos na ocasião. Foi registrado como filho biológico de titia e até hoje não sei como, coisa de umas máfias que existiam no Brasil. Só sei que ela conseguiu isso em algum lugar no sul da Bahia.

O pequeno recebeu o nome de Bryan, acho que em homenagem a um cantor canadense de voz rouca que as solteironas da época gostavam. Ele nem sabia que nome tinha antes de ser adotado, minha mãe dizia. Nunca o tínhamos visto antes de ele vir para a nossa casa; tia Rosana foi para longe logo após a adoção e só voltou anos depois, quando já estava mal de saúde.

Apesar de todos os cuidados, não teve jeito e tia Rosana acabou falecendo. Seu filho foi trazido para ser cuidado por mamãe com a condição de que, quando chegasse à maioridade, ele recebesse o dinheiro e as propriedades que tinham sido de titia. Meus pais ficaram responsáveis por administrar os bens que seriam do garoto, que devia ter uns doze anos na ocasião.

Aquele era um menino estranho, o mais estranho que eu já tinha visto. Meus pais eram preconceituosos em relação a muitas coisas e não gostaram do jeito dele já nos primeiros dias. Na época, eu conhecia alguns garotos afeminados na escola e minha mãe me orientava sobre eles: "Léo, não fique de conversas com aquele menino da Betânia, muito esquisitinho, tadinho", se referindo ao filho de uma conhecida que era claramente afeminado e sofria na escola o que hoje seria chamado de bullying. Mas a vida pode ser irônica às vezes.

Bryan era gordinho, não em excesso, mas tinha formas arredondadas que inspiravam Jailton, meu vizinho, a fazer piadinhas maliciosas sobre o corpo dele. E tinha cabelos loiros que não eram lisos nem formavam cachos uniformes, o que dava a ele uma aparência desleixada. Minha mãe dizia que aquele era um cabelo ruim e que nunca tinha visto um menino branco com o cabelo daquele jeito. Bryan nunca se defendia em relação a isso.

Ele tinha olhos de um azul incomum, mas não era a cor a principal peculiaridade. Era o olhar. Um olhar nervoso, que não se fixava em nada por muito tempo. Sempre me intriguei com aquele olhar fugidio. Era como se ele estivesse sempre com medo ou esperando que algo acontecesse. A pele dele era recoberta por uma penugem esbranquiçada que conforme ele ia crescendo, ia diminuindo. Tinha sardas nas costas, mas não as tinha no rosto, aliás, o rosto dele era algo tão delicado que as pessoas ficavam olhando sem querer. A boca quase vermelha, lábios volumosos, olhos grandes com cílios longos como os de uma boneca, sobrancelha fina de pelos claros. Não havia quem não achasse seu rosto bonito.

Dezesseis anos -  antigo Intersex (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora