Capítulo 2

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Uma rápida visita ao supermercado para garantir o meu jantar, foi suficiente para abastecer também o meu estoque de chocolates.
A ansiedade por toda essa mudança alterou um pouco os meus hábitos e eu teria que pensar em uma atividade física rapidamente para não acumular esses doces diretamente nos meus quadris.
Não que eu já tivesse me preocupado com isso antes, mas certamente era algo a se pensar, lembrei de ver aulas livres na faculdade de educação física e fiquei estranhamente ansiosa por isso.
Era como se um botão estivesse desligado em mim, algo que me deixava passar pela vida sem realmente viver e agora, depois que tomei a decisão de vir para outra cidade e recomeçar, essa ânsia estivesse me consumindo.
Como se o meu tempo estivesse acabando.
- Tic-tac! - repeti para mim mesma enquanto guardava minhas compras na geladeira.
Assim que me levantei, levei um susto.
Lidiane, minha companheira de quarto estava parada me olhando, com uma expressão assustada.
Levei outro susto e pensei que hoje estava se tornando um padrão. Mas logo percebi que os meus cabelos haviam caído para frente e ela certamente estava olhando para as marcas de nascença que ocupavam desde o meu pescoço até minhas omoplatas, elas pareciam cicatrizes horríveis e assustadoras, mas eu já estava acostumada a elas.
- Nossa, você me assustou Lidiane, está tudo bem? - Ela parecia envergonhada por ter sido pega encarando - Geralmente as minhas marcas assustam as pessoas, mas não vou mais escondê-las... E, antes que me pergunte, eu não sei porque as tenho, são de nascença.
- Uau, eu só fiquei surpresa, me desculpe, - ela se desculpava e me entregou o resto das coisas para eu guardar - é só que elas sâo marcas diferentes, parece que suas asas foram arrancadas!
O seu comentário me fez sorrir, falar de minhas marcas era algo que nunca fazíamos em casa. Falar sobre qualquer coisa, que não fosse supercialidades era algo fo qual eu nem me lembrava. Aliás para falar com os meus pais seria necessáruo conviver com eles,  o que era bem complicado, já que o meu pai vivia viajando e minha mãe estava sempre preocupada com seus chás e compromissos sociais.
Eu passei a vida sendo cuidada por empregadas que também não se aproximavam. Era como se eu e as outras pessoas não pudéssemos nos misturar.
Eu era um adereço para eles, e quando perceberam que eu era uam criança tímida e quieta, não houve mais esforços a não ser garantirem os meus estudos.
Quando expliquei que gostaria de estudar fora foi basicamente como surpreendê-los e livrá-los de um fardo.
Não posso reclamar, pois sair daquela casa e daquela cidade foi igualmente satisfatório e libertador. Eu também me senti aliviada.
- Essa é uma boa maneira para descrever essas marcas - comentei e ofereci a ela metade da minha barra de chocolate - quer dar uma volta hoje a noite? - mudei de assunto - vai ter uma festa para observar o eclipse lunar e eu estava querendo ir, topa?
- Uau, nem fiquei sabendo dessa festa, mas deve ser lindo ver a Lua de Sangue, li sobre isso hoje! Mas eu não conheço mais ninguém aqui, a não ser você, talvez a gente deva esperar o ano letivo começar de vez... - ela ficou divagando e eu me vi do outro lado, pela primeira vez.
- Lidiane, deixa disso, vamos viver garota! Esses serão os nossos anos para fazer memórias, para curtir, vamos lá, veja tem até um grupo no aplicativo, olha aqui, vai ter muita gente por lá! - as palavras saíam da minha boca e eu estava apaixonada por essa nova eu, enquanto eu rolava as conversas do grupo no qual fui incluída após enviar uma mensagem para o número de contato no cartaz.
Lidiane parecia em dúvida e ponderou por alguns minutos mas fiz uma expressão que deveria ser triste e com beicinho para ela (tentei o famoso "olhar de cachorrinho") ela apenas soltou uma gargalhada e comentou:
- Está bem, Iara, vamos lá, quero só ver o que tem de especial nessa lua!
As palavras dela se encaixaram em um lugar dentro de mim.
Foi como uma engrenagem clicando e girando bem devagar.
Arrepios percorreram o meu corpo e eu tive uma breve sensação de pânico, um vislumbre da velha eu tentando me puxar de volta para minha concha.
Mas a vontade de viver novas experiências venceu e eu sabia, de alguma forma, que deveria estar naquele observatório hoje a noite.
Esperei Lidiane tomar banho antes, pois compartilhávamos uma das quatro suítes da moradia estudantil custeada pelos meus pais.
Eu separei uma calça jeans com alguns rasgos uma blusa vermelha que tinha uma leve transparência e ficaria linda com o top preto por baixo. Decidi escolher um par de botas de caminhada preto ao invés de sapatilhas e separei um casaco para levar e enfrentar a madrugada.
- Sua vez, espero não ter demorado muito, mas tive que lavar os cabelos. - Lidiane comentou enquanto analisava as minhas roupas. - uau, você arrasa nesse visual de anjo caído hein?
Pela segunda vez ela falou em anjo e aquilo me deu uma certa agonia.
- Nossa que fixação em anjos, hein? - comentei.
- Ah, pelo amor de Deus, você já se olhou no espelho? Você se parece exatamente como um anjo, toda perfeita - ela pareceu titubear e ambas sabíamos que as minhas marcas não rinham nada de perfeitas, mas ela continuou - você é exatamente como um anjo, se eu puder opinar, um anjo mal intencionado ao usar essa camisa transparente!
Demos risada juntas, agradeci pelo anjo, brinquei que eu só tinha as melhores intenções em mente e ela terminou enfatizando:
- Ah Iara, de boas intenções, o inferno está cheio!
Depois dessa, corri para o banheiro, pois novamente fiquei toda arrepiada. Essa conversa de céu, inferno e anjos era muito esquisita e eu esperava que a minha colega de quarto pudesse parar de falar nisso.
- Por favor, Deus, espero não me arrepender de convidá-la. - resmunguei baixinho assim que fechei a porta
- Falou comigo, Iara? - ela gritou lá de fora do banheiro.
- Não, só estava divagando mesmo! - respondi, parece que não falei tão baixo assim.

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⏰ Last updated: Jan 23, 2019 ⏰

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Lua de Sangue: O DespertarWhere stories live. Discover now