Capítulo único

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Já era a terceira vez naquela semana que eu acordava ao lado de um estranho — ou uma estranha, dependendo do caso — sem ter lembranças claras da noite anterior e, como parte de um ritual pessoal, eu verificava o espaço ao meu redor para saber o que usei, o que bebi e se deveria me preocupar com uma possível DST ou uma gravidez indesejada. Por sorte, eu conseguia ser minimamente sensata mesmo que estivesse quase inconsciente pelo álcool ou pelas drogas.

— Bom dia, bebê — um homem careca e tatuado murmurou do lado esquerdo da minha cama.

— Bom dia — respondi seca. Ele se espreguiçou e caminhou até mim para me abraçar por trás.

— Você consegue ser ainda mais gostosa pela manhã — baforou na lateral do meu rosto e torci o nariz devido ao seu hálito diabólico. 

— Hum... obrigada — cochichei, sem saber ao certo o que dizer.

Para o meu completo terror, ele escorregou seus lábios grudentos pelo meu pescoço e esfregou sem pênis ainda flácido na minha bunda.

— Você tem que ir — me desvinculei. 

— Mas já? — resmungou como uma criança de dez anos; era claro que ele esperava outra rodada antes disso.

— Já. Tenho compromisso — disse, recolhendo suas roupas e enfiando em seus braços.

— E por que não faltar? Tenho mais um pouco de coca aqui — balançou um pacote diante dos meus olhos e eu quis rir; sua crença que uma mísera carreira me convenceria a sequer fazer um boquete nele era digna de piada.

— Você realmente tem que ir, cara — enfatizei com uma das sobrancelhas erguidas e enfim ele entendeu o recado. Eu tinha uma fama por aí de causar problemas a quem me incomodasse e pelo visto meu acompanhante não estava disposto a confirmar se era verdadeira ou não.

— A gente se vê — se despediu antes de bater a porta; eu acho que não.

Sozinha, me arrastei até o banheiro e arrisquei a dar uma olhada no meu estado no espelho acima da pia. Olhos manchados por lápis preto, boca borrada de batom vermelho e cabelos desgrenhados; eu estava uma merda.

Arranquei a camiseta que me cobria e enfiei a cabeça na água fria. Aquela era a pior parte, quando a água parecia trazer minha sobriedade de volta e as lembranças vinham à mente... os homens desprezíveis que eu deixava que me tocassem enquanto dançava em uma boate nos lados mais duvidosos da cidade, as coisas que faziam comigo na cama, as marcas que deixaram em minha alma e as que eu encontrava em meu corpo. Eu me distraia à noite e minha distração me destruía pela manhã, essa era minha vida.

Com o fim do banho, sequei os fios que agora tinha ainda mais curtos com uma toalha e coloquei a primeira roupa que encontrei pela frente para ir até a pessoa que me salvaria por algumas horas.

...

A casa de Izzie era daquelas de causar inveja — bem diferente do buraco que eu chamava de apartamento. Grande, bonita, com um quintal legal e uma vizinhança cheia de famílias tipicamente suburbanas, assim como a dela. Porém, nada é perfeito na vida de ninguém. Os pais viviam brigando e exigindo perfeição da garota de cabelos escuros e pele morena a quem eu costumava dar prazer pelas manhãs enquanto dormiam e pensavam que a filha era hétero.

E, sinceramente, eu adorava isso; era a melhor parte do meu dia vê-la derretendo sob meu toque, vê-la mordendo os lábios e fincando as unhas muito bem pintadas nos lençóis caros de sua cama de dossiê numa tentativa de reprimir os gemidos que insistiam em lhe escapar, os raios de sol que se esgueiravam pela cortina entreaberta e reluziam em sua pele dourada, os seios fartos subindo e descendo para acompanhar o ritmo de sua respiração descompassada e como me abraçava no fim, como se eu fosse a pessoa que mais amava no mundo... e talvez eu fosse.

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