Parte I

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- Eu estou me tornando algo extremamente diferente, me tornando uma versão desconhecida de mim mesmo. Lembro do quão era reconfortante meus pontos saudáveis de fuga. Bastava somente uma caneta e um papel, e, lá ficavam os mais complicados e profundos pensamentos que eu tinha. Hoje sinto que perdi minha profundidade, talvez deva-se isso aos bons momentos de grande gozos que tenho vivido ultimamente, pois nada cega mais que distrações e conforto, essas coisas, talvez "felicidades" nos acomodam de tal maneira que nossa própria essência se perde, dando espaço a um falso bem-estar. Eu me sinto diferente, são mútuas sensações, mútuos pensamentos, todos ele me afogam.

Minha cozinha está cortante, pois os cacos de vidro e porcelana ainda estão no chão, não vou dar bobeira ou o corte será profundo e doloroso. Isso se deve a uma briga recente. A casa está revirada também pela briga. Eu mal poderia imaginar que um dia quente e abafado como estava hoje se tornaria um dia cinzento, frio, nublado e chuvoso como agora. Nunca, tão bem, a natureza retratou o meu estado nesse momento. Acordei de coração quente e feliz como o céu, mas agora ele está frio como esse fim de dia. Tive uma briga séria com a pessoa que moro, sentimentalmente próxima de mim, essas ocasiões me lembram o meu antigo eu, aquele que escrevia com paixão as dores que sentia, talvez se não fosse o maior dos incômodos, a maior das dores, não teríamos romances tão belos, pois a beleza necessita de uma grande feiura para ter seu status digno. Essa briga serviria de apoio para eu, uma grande feiura fortalecendo a beleza do meu interior, levantando pensamentos e questões. Sabe Rusnól, a pior de todas as dores é aquela que a gente luta para entender, aquela que arde sem um motivo aparente e de algum modo, não encontramos a sua razão e ficamos cegos em nossas dores. - Dizia Tobias para Rusnól naquela conversa em um botequim.

-  Agora me diga, Rusnól. Como combater um inimigo que não conhecemos? Ele simplesmente nos vence, e, no pior dos casos, ele tortura-nos todos os dias e assim passamos os piores dias de nossas vidas até que o pior dos dias chegue. É por isso que tenho sofrido, Rusnól. Porque eu simplesmente não conheço minhas dores, mas elas me conhecem, aparentemente, tão bem quanto a mim mesmo e isso é doloroso meu caro amigo. Por conta disso, cá estamos nós, em um botequim qualquer, molhando a garganta com o álcool mais barato e quente, tudo isso porque o álcool é o ponto de fuga universal de todas as dores daqueles que não conhecem a si mesmo e já entregaram-se. Olhe ao redor Rusnól, todas essas pessoas, fracas e deprimidas, todas caladas com constantes gargalos nas garrafas de bebida, está vendo? Sabe o que todos temos em comum aqui? Problemas sem soluções, escolhas erradas. Rusnól, todo homem precisa de um lugar para onde ir e quando não tem, é aqui, nessas mesas surradas, com crostas de sujeira, nesse ar abafado desse botequim, com esse odor forte de álcool que nos embriagam, que os homens vêm para espantar todas as dores do mundo.

Rusnól ouvia com atenção tudo aquilo que aquele homem velho, robusto, barbudo, meio calvo e cheio de cicatrizes dizia, pois sabia Rusnól, que, no fundo daquela conversa, daquele desabafo, existia certas verdades e algumas verdades ressuscitavam memórias dele. Quando Tobias parou de falar, Rusnól ja estava farto, pois sempre foi um homem reservado, de poucas amizades e raramente frequentava locais como aquele. Talvez tenha ele se arrependido de ter ido naquele botequim. Ouvir mais problemas e ficar mais deprimido e cheio de raiva do que já estivera antes, queria apenas relaxar.
De pouco ele se afastou de Tobias, queria deixar o lugar e resolver suas pendências, pagou 7 reais pela bebida ao jovem que atendia no balcão. Pegou seu casaco e partiu dali, subindo uma escadaria que dava para a rua, uma rua movimentada, suja, cinzenta e com um enorme fedor de esgoto. Como se já não bastasse o desabafo de um bêbado, agora era hora de aguentar a movimentação noturna e o vai e vem de pessoas com semblantes vazios, para Rusnól, essas pessoas pareciam engrenagens de um sistema, pois fazem todos os dias a mesma coisa, o cenário continuava sempre o mesmo, o que mudava eram sempre aquelas pessoas, como se somente elas fossem passageiras e a essência daquele lugar fosse as construções, aquelas casas, aquelas ruas, todos aqueles objetos e coisas inanimadas que construíam o cenário e aquelas pessoas eram apenas rabiscos rápidos para compor um horrível e doloroso quadro.

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⏰ Última atualização: Jan 28, 2019 ⏰

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