01

253 31 203
                                    

A casa

    O sol marcava mais de três horas da tarde quando o all star preto de Daiane aterrissou do outro lado do muro. Apoiou as mãos no solo; não era muito fácil manter o equilíbrio em um pulo de quase quatro metros de altura. Ainda agachada, olhou para seus sapatinhos de cristal. Se não estivessem tão sujos, teria praguejado a poeira que fora levantada no instante da queda, que fez com que a cor já desbotada ficasse ainda mais escondida pela camada de terra vermelha.

   E antes que aprumasse o corpo, viu outros quatro pés despencarem ao seu lado. Átila soltou um suspiro animado; um pouco de adrenalina sendo liberada no organismo era tudo que os três amigos precisavam. Ela o observou tirar os cachos da frente dos olhos e tentar aquietá-los nas laterais da face.

   Depois, voltou-se para Marco. O rapaz permanecia com a carranca exposta, o que a fez revirar os olhos.

   — Ei! — Ela se aproximou do namorado, envolvendo-o em um abraço reanimador. — Já disse que não precisa ficar assim.

   Marco, por sua vez, colocou as mãos nos bolsos da calça e suspirou, negando se entregar tão facilmente ao chamego da menina. Mas não era uma tarefa fácil, Daiane sabia muito bem como seduzí-lo. Suas mãos percorreram o pescoço do rapaz, acariciando o cabelo aparado em um corte militar bem feito.

   — E eu disse que não achava legal a ideia de invadir casas… — ele argumentou. A voz grave no tom sério que a garota amava ouvir.

   — Encarnou o santo — Átila comentou, enquanto se afastava do casal.

   O próximo passo da cerimônia de persuasão não demorou a vir: os beijos próximos a orelha, que era a última carta que ela guardava para momentos de luta intensa. Sentiu o corpo de Marco finalmente ceder; os músculos, antes rígidos, agora já não lutavam contra seu abraço.

   — A gente precisava de um lugar novo, cê sabe disso — ela dizia, entre um beijo e outro. — Relaxa, essa casa tá abandonada faz uns cinco anos já.

   Marco admirou a casa. O que os muros escondiam era uma construção interiorana típica do início da década de 2000, com suas paredes bege encardidas pelo musgo — seco naquela época do ano —, portas e batentes de janelas de madeira e vidraças empoeiradas pelo tempo. Era um sobrado de classe média, no qual, no jardim anterior, palmeiras e arbustos haviam secado pela falta de cuidados, e o gramado, amarelo e quebradiço, guardava consigo a altura que conseguira atingir durante a última estação chuvosa.

   — Ei! — do outro lado do quintal, Átila gritou. — Venham aqui!

   Marco grunhiu.

   — Se ele continuar falando alto assim, daqui a pouco a polícia bate aqui também.

   Seguiram para o jardim posterior. Aquele pedaço não se encontrava em melhores condições. A grama parecia ainda mais seca daquele lado, e uma grande tamarineira, apoiada no canto do muro, soltava suas minúsculas folhas secas. Tudo parecia meio morto durante o inverno.

   — Tem piscina — o rapaz anunciou ao ver os amigos. Estava ao lado de uma piscina vazia, que ocupava pouco mais de sete metros do gramado. — Se a gente der uma faxinada, podemos até usufruir dessa regalia…

   Daiane riu, antes de negar:

   — Não vamos morar aqui, Áti. O melhor é deixar a casa como tá.

Mansão dos UrubusOnde histórias criam vida. Descubra agora