02

137 23 96
                                    

Música favorita

   Verde, azul, roxo, vermelho, amarelo… As luzes dançavam, desorientadas, iluminando a casa, enquanto um funk remixado com trejeitos de música eletrônica tocava, alto demais para a saúde auditiva de qualquer uma das pouco mais de cinquenta pessoas que ali estavam presentes. A loucura e a embriaguez já assediava todo mundo, entretanto, o que fazia com que ninguém se importasse com quantos decibéis os ouvidos poderiam aturar.

   Átila pegou um pouco de gelo com a mão e inseriu no copo. Depois, derramou lentamente a cachaça sobre os cubos, apreciando o líquido deslizar até alcançar o fundo do recipiente. Não colocou muito; a visão turva anunciava que era hora de maneirar nos drinques. Terminou de preencher o copo com o suco de limão mais artificial que tivera oportunidade de degustar. Riu, sozinho, ao perceber que preocupava-se com corantes e conservantes, mas fazia pouco caso com os quase quarenta por cento de álcool da bebida destilada.

    Apoiou o corpo na mesa, volvendo-se para a sala, onde meia dúzia de garotas dançavam, enquanto pegavam rapazes desprotegidos e os colocavam em uma cadeira no centro da roda. Seguiu-se, então, um jogo de sedução, em que meninas rebolavam no colo dos rapazes e, à medida que a situação se tornava mais quente, pediam para que suas vítimas abrissem a boca e bebessem a aguardente direto do gargalo. Os pobres homens se entregavam ao jogo suicida, presos à emoção do momento.

   E, entre toda aquela baderna, viu Daiane se aproximar. Estava séria; emburrada, ele arriscaria chutar. Parecia fuzilar as pessoas com as quais trocava olhares ao perpassar a muvuca. Chegou perto da mesa como um furacão; a atenção inteiramente voltava para o copo vazio que precisava imediatamente ser preenchido.

   — Ei! — o momento não parecia o mais apropriado. Contudo,  ele arriscou uma conversa. — Cadê o Marco?

   — Não quero falar daquele imbecil! — ela retrucou, sem sequer tirar os olhos da bebida que preparava.

   O ocorrido era óbvio.

   — Brigaram? — todavia, ele perguntou.

   — Ele foi embora, acredita?

   Ele acreditava. Conhecia Marco havia tempo suficiente para reconhecer as características de suas ações. Podia até afirmar que conhecia o garoto melhor do que a própria namorada.

   Dai virou a bebida em um gute-gute insaciável; mais de trezentos mililitros de puro rancor queimando seu trato digestório enquanto descia. O garoto se assustou:

   — Ei, pega leve!

   — Se ele tá achando​ que as coisas vão ser do jeito dele, se tá achando que eu vou ir toda chorosa pra minha casa e me desidratar madrugada adentro, ele tá muito enganado — disse, com convicção. Parou por instante, fitando as luzes dançantes; a feição enraivecida dando vez para um resquício de arrependimento. — Cê acha que eu tô errada?

    Ele riu.

   — Olha, do que eu conheço do seu namorado, tenho quase certeza que você não tá errada — respondeu; o teor de álcool em seu sangue servindo de elixir da verdade.

   Ela relaxou o corpo, feliz em ouvir o que gostaria de ouvir, para, logo em seguida, retomar as reclamações:

   — Eu sei lá, ele é tão… — Fez uma careta ao perceber que não tinha uma definição que se encaixasse ao namorado. — As vezes ele me irrita tanto! Tantas preocupações bestas, sabe? — Fitou o amigo. — Eu queria que ele fosse mais como você.

    Átila não soube definir se era em consequência da bebida, mas a boca pareceu ficar seca de uma hora pra outra.

    — Co-como eu?

Mansão dos UrubusOnde histórias criam vida. Descubra agora