Sorte.

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    Os corpos suados indicavam o ritmo da festa que reunia um amontoado de pessoas bêbadas. Uma dessas que se destacavam era a publicitária, mais conhecida pelo sobrenome Peixinho. Carolina tinha os fios presos num coque alto e molhado devido ao suor. Seu corpo, em especial, estava em constante movimento. A mulher não parava um segundo, fazendo jus à música de Os Novos Baianos. E a baiana ia, mostrando os encantos.
    Gabriela, por outro lado, tragava um cigarro, movendo o corpo apenas quando sentia necessidade ou quando as músicas de Beyonce inundavam o ambiente. Ela combinava mais com as letras fortes das canções de Elza Soares. Sua voz, ela usa para dizer o que se cala.
    A música que agora animava os concorrentes era Garota Nota 100 de MC Marcinho e a moradora de Ribeirão Preto já mandava uns passinhos. O sorriso aberto e os olhos mais escuros que o normal também denunciavam um pouco a quantidade de álcool já consumida.
    - Vem, nega. – Carolina chama, com a voz um pouco mais rouca e os olhos castanhos já com um brilho diferente. Gabi a quem ela se referia não percebeu nada disso visto que se encontrava em situação parecida.
    A negra foi ao encontro da mulher um ano mais velha que não estava muito longe. Dançavam centímetros separadas.
    - De zero a dez, – a pisciana começou a cantarolar. – te dou nota cem.
    Lançou um sorriso a Peixinho que retribuiu com a mesma intensidade, respondendo atrevida: - Cê dá só cem?
    A resposta não veio. Mas nenhuma das duas se importaram. Apenas continuaram a dançar, cada uma do seu jeito. Gabi com o cigarro na mão e Carolina, com o copo meio cheio. Às vezes, elas dividiam o cigarro e o copo como um casal, mas estavam distante de ser – pelo menos, em suas cabeças –, afinal nenhuma das duas compartilhavam da ideia de que opostos se atraem. Talvez a física esteja errada, certo?
     Não demorava muito e as duas já se separavam, seja para a mais velha trocar algumas palavras com Isabella ou para a membro do Baile da Gaiola pegar outro cigarro. Mas também não demorava muito para voltarem a se aproximar como em uma dança contemporânea que os parceiros não conseguem ficar longe por muito tempo.
    O funk emendou num xote e quem resistia àquele estilo? Principalmente Carolina que já havia dançado muito aquela música. Ouviu o "Moreno, me convidou para dançar um xote" do início da canção e estendeu a mão a Gabi, perguntando com a voz arrastada:
    - Quer dançar um xote?
    Peixinho observou cada reação de Gabriela à sua pergunta. Analisou o sorriso de canto, a mão abrindo, os olhos brilhando, os pés passeando para mais perto, as sobrancelhas levemente arqueadas. Percebeu inclusive os olhos fechando por uns segundos até responder a pergunta.
    - Tá me convidando? – brincou a paulista.
    A empresária apenas moveu a cabeça em concordância. E, num instante, Gabi puxou sua cintura para que pudessem dançar. O ritmo mais lento aproximou os corpos. Elas se movimentavam juntinhas. Peixinho que, mesmo de salto, encostava a cabeça naturalmente no pescoço da paulista. E Gabi não poderia reclamar do encaixe, o perfume de Carolina era tudo o que ela conseguia sentir. Pareciam que já haviam coreografado a canção.
    E a música era como um script: Carol beijou o cabelo da mais alta, cheirou seu cangote e fez seu corpo arrepiar. Gabriela, sem jeito, se abaixou para se acolher no peito da morena. Mas ela não queria ficar pra trás então cantou junto a banda com sua voz rouca: – Me encantei por seu olhar. Morena, chega mais pra cá.
    Gabi levantou o rosto, encarando a imensidão castanha dos olhos de Carolina. E para contrariar as leis da física, elas se abraçaram mais; ocupando o espaço de um corpo. A cantora continuava a cantarolar e essa frase cantou para Peixinho, olhando pra ela e quase soletrando: - Meu dengo, vem me chamegar.
    Entretanto, Carol quem deu a última cartada cantando bem baixinho no ouvido da designer gráfico: – Faz meu coração bater ligeiro. Assim eu vou me apaixonar.
    Nem quando o hit do carnaval começou a tocar, elas se afastaram. Dançavam a música Jenifer como se fosse uma grande composição romântica. Ambas se encaravam para não falar e até Carolina se surpreendia por seu silêncio. A baiana não se encontrava sem palavras facilmente.
    - Amiga, – a voz estridente de Isabella interrompeu o momento. A parcipante do Villa Mix, como é chamado pela internet, se solta dos braços de Gabi gentilmente, lhe lançando um sorriso aberto, mas envergonhado. – chegou mais vodca. Vem!
    A cantora continuou na mesma posição, observando o corpo de Carolina se afastar. Continuava a inalar a fumaça do cigarro ocasionalmente. Olhou para o céu e riu ao se lembrar dos participantes questionando o que era o balão que pairava no azul escuro da noite há alguns dias. Negou com a cabeça. Lembrou-se da baiana falando que era apenas o céu. Pensou como tudo para Carol era fácil e simples. Será que no sentimento ela também era assim?
    - Ah, Peixinho. – Gabriela sussurrou ao vento. E procurou por Rodrigo ou Rizia ou Hana, qualquer pessoa que naquele momento a distrairia; qualquer um que não fosse Carolina.
    - Me chamou, nega?
    O sotaque baiano a fez sorrir. Como poderia duvidar que Carolina apareceria logo naquele momento? Gabi disse: - Não. Tava só pensando alto.
    Recebeu um olhar desconfiado e continuou a resposta: - Pensando em você.
    É óbvio que Gabriela não cairia em um clichê de novela das sete, optando por admitir o que sentia realmente. Era bem resolvida demais para negar o que pensava. Mas, também, tinha medo de aceitar que talvez ela e Carol fossem muito opostas e que isso no futuro as afastaria. Mal sabia se Peixinho sentia o mesmo. Se não estava se iludindo como aconteceu no ensino médio quando se encantou por uma hétero – e nesse clichê ela já fez papel de protagonista muitas vezes. E o silêncio da morena que fazia morada em sua frente só a assustou ainda mais.
    Carol apontou pra cima e começou a sorrir, cantando a música que tocava: - Na bruma leve das paixões que vem de dentro, tu vem chegando pra brincar no meu quintal. – quando percebeu que Gabi a admirava, ela só falou: - Vai. Canta comigo.
    - Eu não quero cantar.
    - Cantora que não quer cantar, é? – riu. Suspirou em seguida quando a expressão de Gabi continuou a mesma. – Que foi? Não tá curtindo a festa, nega?
    A pisciana negou com a cabeça, mais para si mesma do que para responder Carolina. Ela não conseguia entender porquê Peixinho estava fugindo. - Eu tô.
    - Então, o que foi?
    - Ah, – o suspiro saiu quase como um grito choroso. Gabi estava acostumada a usar a arte para representar o que sentia e, ali, sem nenhum violão para tocar um Seu Jorge, ela não sabia como colocar em palavras. – eu gosto do que a gente tem. E eu sei que nós não temos nada, mas eu gosto de não ter esse nada com você.
    - Eu também, – Carolina nunca se sentiu assim, com tantos sentimentos internos misturados. Nem quando descobriu a traição de seu ex teve tantas dúvidas. – mas você gosta da sua ex, né? Eu não quero ficar no meio disso.
    - É complicado. – foi a última coisa que falou.
    - É.
    Peixinho puxou Gabi pra um abraço. Coração com coração. Como abraços devem ser. O acelerado dos batimentos de Gabriela contra o ritmo cardíaco lento de Carol. A empresária deu um selinho na designer gráfico e desgrudou seus corpos, falando: - Eu não quero me afastar de você.
    - Você não vai. – olhou Carol assentir com a cabeça. – E, Peixinho, quem sabe na próxima festa.
    - Quem sabe nessa ainda.
    Ambas sorriram.

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