INTRODUÇÃO

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Uma amiga estava dirigindo, chovia bastante naquela terça-feira. As duas estavam nervosas, a situação, o temporal, as ruas alagadas. E a ilegalidade do que faziam. As duas atravessaram a cidade, pegaram  aquela avenida que passa na beira do mar, pararam em um sinal vermelho na subida de um morro. Estavam há vários minutos sem conversar, em silêncio total dentro do carro. Dentro do fusca só o barulho da chuva forte batendo na lataria. A minha mãe está indo me abortar.

Acontece que meu pai, quero dizer, o homem que engravidou a minha mãe, não queria ser pai. Tinha outra vida, outras prioridades. O homem tinha outros planos. Não era o homem para ser meu pai. Talvez nenhum homem seria. Talvez minha mãe conseguisse me criar sozinha. Talvez não era para ser.

Existem vários tipos de pai. Desatentos, inseguros, dedicados. ocupados, atrasados, estressados, agitados, brincalhões. Ha pais que fazem tudo, e há pais que não fazem nada. Há pais que ajudam no tema, dão banho, fazem aviõezinhos coma colher, contam histórias antes de as crianças dormirem. Há pais que ensinam a andar de bicicleta, que levam no estádio, que dormem no sofá e deixam dormir em cima. Pais que deixamos filhos fazer tudo. Distantes, carinhosos, inconvenientes, moderninhos. Há pais de todos os tipos.

E há pais que decidem não ser pais.

Foi o caso do homem por quem minha mãe se apaixonou. E é o caso de vários pais. Essa não é nenhuma história extraordinária, nem nada. É uma história bastante comum, na verdade. Há homens que não querem ter filhos. E, por favor, me respondam como isso pode acontecer? Como um pai pode não querer ser pai? Não sabe tudo o que irá perder!

Uma vez uma senhora escreveu uma carta a Kurt Vonnegut, meu escritor favorito. Ela queria saber se, na opinião do sr, Vonnegut respondeu: ''Não faça isso! Era o que eu queria lhe dizer. (...). Mas respondi que o quase fazia valer a pena o fato de estar vivo pra mim, além da música, eram todos os santos que eu encontrava, que podiam estar em qualquer lugar''.*

Este livro é dedicado ás pessoas que acreditaram nesses santos.

Não quero parecer catastrófico nem nada, mas é um ato de fé colocar os filho no mundo hoje. A  previsão é de um futuro caótico, de mudanças climáticas, superpopulação, doenças epidêmicas e aumento da violência urbana. Ter filhos é acreditar no contrário disso tudo. Todo pai é um otimista.

Ter filhos é ter fé em um futuro melhor. Um mundo onde nenhuma dificuldade é desculpa para fazer mal a outra pessoa. Um futuro onde as pessoas se respeitam mais e onde existe gente que faz o bem sem pedir algo em troca. Faz o bem porque é assim que tem que ser. Não por medo do inferno ou promessa de ir ao céu. Não porque outras pessoas estão olhando. Mas porque isso é o que nos faz humanos.

Naquele fusca barulhento, naquela terça-feira chuvosa, naquele sinal vermelho na subida de um morro minha mãe achou melhor voltar pra casa. Depois ela ligava para remarcar. E depois foi ficando pra depois, e ela foi dando um jeito, e eu acho que consegui um emprego, e a barriga foi crescendo, e a barriga era eu. E eu nasci. E minha mãe foi meu pai. E tenho certeza que pra ela não foi fácil, mas aqui estou eu.

O PAPAI É POPOnde histórias criam vida. Descubra agora