O HOMEM NU

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* Todos os capítulos possuem referências às crônicas de Fernando Sabino, conforme indica cada título


Ele estava apenas com a sua samba-canção mais velha e confortável naquela manhã manhosa enquanto colocava algumas roupas sujas na máquina de lavar. Cumpria sua primeira obrigação do dia, tendo em vista que havia dado férias à Amélia. Olhou para sua cueca e resolveu que ela também deveria ser chacoalhada na água com sabão. Retirou-a sem pena nem dó e a enfiou na máquina com as demais peças.

Dever cumprido, seria a hora perfeita para um café. Lembrou-se que o pão deveria estar no corredor do edifício onde o porteiro o deixava depois que o entregador trazia. Por um minuto, hesitou entre voltar ao quarto para se vestir ou assumir uma atitude de risco.

Àquela hora, em um domingo, não haveria ninguém nas áreas comuns, bastaria abrir a porta sorrateiramente, esticar-se até o cobogó do corredor — onde o porteiro depositava o pão para que o cachorro do vizinho não o alcançasse — e capturar seu prêmio antes que fosse flagrado nu em pelo.

Fernando abriu a porta e se esticou para alcançar o pacote enquanto seu pé mantinha a porta aberta. Desequilibrou-se e, para não cair, deu um passo para o meio do corredor. Foi o suficiente para que o mecanismo da porta a puxasse e fechasse. Escutou apenas um desesperador "click". Sim, a maçaneta da porta não abria pelo lado de fora sem a chave.

O que fazer? O mais lógico seria pedir ajuda ao porteiro para que telefonasse para a sua irmã e pedir a cópia da chave que, premonitoriamente, já havia dado a ela. Mas como fazer para falar com o porteiro sem desfilar sua bunda branca pelo edifício como se fosse uma passarela?

Estava nesse impasse interno quando escutou outro "click". "Droga", estava detestando esse som. O "click" vinha da porta da escada de incêndio. Única forma de escapar seria pelo elevador que se encontrava no térreo.

De uma forma instintiva, infantil e inócua, espremeu-se contra o vão da porta como se ali estivesse invisível. Protegeu suas partes íntimas da melhor forma possível com o pacote de pão e torceu para que a pessoa desse meia-volta.

Sua torcida foi em vão. Ouviu os passos vindo em sua direção e um pequeno grito de susto quando a pessoa percebeu sua presença espremido na porta. Como esta manhã, definitivamente, não estava favorável, identificou que a pessoa era a nova vizinha do andar que voltava de sua corrida matutina. Sim, a vizinha com belos atributos que ele já vinha espionando de longe.

Quando ela o distinguiu, acalmou-se, mas, novamente ficou tensa ao perceber seu traje, ou a falta dele. Queria desviar os olhos, mas os teimosos fugiam para onde não deviam. Gaguejando, ele tentou se justificar:

— A porta... ela bateu... fiquei aqui... Desculpa. Eu não queria assustá-la.

— Não tem problema. — disse ela virando o rosto para o outro lado para não olhar para a sua nudez. — Posso ajudá-lo?

— Bem... na verdade, pode. Eu poderia usar o seu telefone?

Ela pareceu titubear um pouco, mas tomou uma decisão humanitária e concordou.

Ainda com o rosto virado para o outro lado da parede, ela passou por ele.

— Siga-me. — disse caminhando em direção ao seu apartamento.

Ela abriu sua porta, passou pelo umbral e, agora fitando o teto, fez um gesto para que ele entrasse.

Ele se esquivou encolhido para dentro do apartamento com o traseiro encostado na parede e o pacote de pão na frente dos seus pudores.

Ela foi até um aparador, pegou um aparelho de telefone sem fio e balançou em sua direção, mantendo os olhos fechados.

Fernando alcançou o telefone e começou a discar. "Jesus, que eu me lembre do número do telefone da irmã", pensou. A irmã atendeu logo e um suspiro saiu de sua boa. Ele explicou a situação e pediu que ela viesse com a chave reserva ao apartamento da vizinha... da... Deu-se conta de que não sabia o nome dela.

— Como é o seu nome? — perguntou.

— Clarice. — respondeu ela. — Com licença, vou lá dentro encontrar algo que você possa vestir.

Enquanto Fernando encerrava a ligação, ela retornou com um short de malha e uma camiseta.

— Essas peças ficarão apertadas, mas vão quebrar um galho. O banheiro é por ali. — Apontou.

Ele seguiu direto para o banheiro sem perceber a avaliação rápida que Clarice fez do seu porte físico. Ela reparou que Fernando tinha nádegas firmes, pernas bem delineadas e ombros largos como de um nadador. Um belo espécime, concluiu.

Ele vestiu as peças fornecidas que, realmente, ficaram apertadas, mas serviriam para encobrir suas vergonhas. Reparou que as peças eram pequenas porque Clarice era uma mulher mignon. Gostava dela assim. Parecia que se encaixaria perfeitamente em um abraço seu. Espantou o pensamento, não era porque ela o havia acolhido nu que lhe daria "cabimento".

AMOR NU (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora