Prólogo

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São Paulo, 1903

Nunca se aceita um cliente que bate à porta, do nada.

Grosseiro, robusto, quarenta e poucos anos, não era um homem feio, mas seus modos tornavam-no odioso. Não quis conversar, foi logo exigindo aquilo que viera buscar.

– Ao menos um cálice de vinho – insistiu Cristina, que precisava de alguns minutos antes de entrar em ação. Não conseguia cumprir seu papel daquele modo, de supetão, como se estivesse constantemente pronta.

Ela o serviu e ainda tentou conversar sobre qualquer coisa, mas ele esva­ziou o cálice de um gole só e exortou:

– Vamos lá, menina. Mostre-me o que sabe fazer.

Era uma situação inédita para Cristina. Os homens que a procuravam, encaminhados por Olívia Durão, eram cavalheiros, homens polidos e cultos, que apreciavam uma boa conversa.

– O que achou do vinho? – ela ainda tentou ganhar tempo.

– Nada mal.

– Na verdade é excelente. Trata-se de uma safra...

– Benzinho, se eu quisesse beber não teria vindo aqui.

Ele a agarrou com brutalidade, e Cristina sentiu o volume inequívoco em sua virilha. Respirou fundo para controlar uma onda de náusea, mas antes que pudesse expirar seus lábios foram esmagados pela boca rude do homem. Ele introduziu a língua áspera com agressividade, fazendo Cristina se retrair ante a invasão. Empurrou-a para o sofá, sem deixar de sufocá-la com seu beijo, e aprisionou-a com o próprio peso.

– O quarto – murmurou Cristina, assustada –, o quarto é logo ali.

– Depois – disse ele, lutando para abaixar o vestido dela. – Este sofá pare­ce um bocado confortável. Que diabos! Ajude-me com esse vestido!

Cristina queria expulsá-lo, mas seria uma atitude imprudente. O homem era forte e estava muito excitado. Melhor acabar logo com aquilo.

Durante todo o tempo ela lutou contra a ânsia de vômito, enquanto ten­tava fazê-lo gozar o mais rápido que pudesse. Quando ele a montou, Cristina cravou os dentes no lábio inferior para não gritar. Nunca estivera tão seca, tão gelada. Ele não pareceu notar, porém, e começou a se mexer como se quisesse atravessá-la. Logo gozou, para alívio de Cristina. Ia deixá-la em paz.

Mas não deixou. Quis conhecer o quarto e a carregou para lá, jogando-a na cama. Andou nu pelo aposento, examinando os móveis e os bibelôs com um misto de admiração e desdém.

– Você deve deitar com muitos homens para comprar todas essas coisas bonitas e inúteis – declarou. – Bem, pela exorbitância que cobra, não é de surpreender que possa esbanjar dinheiro.

– Exorbitância? – ela repetiu, indignada.

– Exorbitância, sim. – Ele parou ao lado da cama, e Cristina notou, com desgosto, que estava excitado novamente. – Mas você fará com que valha a pena pagar por isso.

Uma hora depois, enojada e dolorida, ela finalmente o viu deixar o quarto para buscar as roupas na sala de visitas. Nos momentos em que ficou sozinha, sentou-se no leito e cobriu-se com o lençol, dando um nó acima do busto para que não escorregasse. O porco arrogante cumprira a palavra, exigindo tudo dela a fim de fazer valer o que lhe pagaria. Gozava rápido, mas também se recuperava rápido e recomeçava tudo. E o tempo todo parecera capaz de agredi-la à menor contrariedade.

– Isso mesmo, menina, cubra-se – disse ele ao voltar, inteiramente vesti­do. – Se eu continuar a ver esse corpo, talvez acabe me demorando demais. Minha mulher não ia gostar disso.

– Ah, você é casado? – indagou Cristina, sarcástica, imaginando a pobre infeliz.

– Sim. Minha mulher está do tamanho de um boi. Espera um filho para breve.

Ele tirou um estojo de veludo negro de dentro do bolso do casaco e apro­ximou-se de Cristina, informando:

– Agora vou pagar o absurdo que você cobra.

– Se preferia pagar menos, por que não procurou uma moça de rua, ou mesmo de prostíbulo?

– Porque eu queria uma mulher bonita e cheirosa, não essas pulguentas desgrenhadas. – Estendendo-lhe o estojo, o homem disse: – Aqui está. É ainda melhor que dinheiro. Trata-se de uma joia valiosa.

Cristina abriu o estojo, dentro do qual um belo colar de esmeraldas faiscava.

– Pensa que sou idiota? – explodiu, empurrando o estojo de encontro ao estômago do homem. – Isso não vale nada! Uma joia dessas, se fosse legítima, me pagaria três anos de trabalho!

– Está me chamando de desonesto? – vociferou ele, pegando o estojo.

– De imbecil! Pensa que é espertinho, não é? Pois comigo o golpe não funcionou. Quero meu dinheiro agora, entendeu? Dinheiro!

– Você vai aceitar a porcaria desse colar! – retorquiu o homem, ameaçador. – Não lhe darei um centavo, sua vagabunda de luxo!

– Ah, vai dar sim, seu filho da mãe! – bradou Cristina, agarrando-lhe a gola da camisa. – Não vai sair daqui sem me pagar! Foi a experiência mais nojenta da minha vida e eu não vou permitir que saia sem pagar!

O golpe explodiu na face de Cristina tão rapidamente que ela nem percebera o movimento do braço poderoso. Caiu desnorteada na cama, e o lençol se sol­tou. A mão enorme e peluda fechou-se em torno de seu pescoço com uma força desumana, fazendo-a erguer-se alguns centímetros e cortando-lhe a respiração.

– É suficiente ou quer receber um pouco mais? – indagou ele, escarnecedor.

O gemido de dor e desespero da jovem foi uma resposta eloquente, e ele a soltou.

– Que bom que está satisfeita – disse ele, afastando-se. – Eu também gos­tei muito. Até a próxima, menina.

Antes de sair, jogou o estojo no leito, ao lado do corpo inerte de Cristina.

Jardim de Espelhos - Veridiana Maenaka - Giz EditorialOnde histórias criam vida. Descubra agora