As férias não poderiam ter findado melhor; visitas inesperadas, vizinhos novos, tempestade. Tudo veio à tona em minha mente explodindo como uma dor de cabeça pela manhã. Respirei fundo e ainda eram quase seis, mamãe havia me apressado seis ou sete vezes antes de sair para trabalhar. O café da manhã estava sobre mesa, torradas, ovos e panquecas, os talheres metodicamente ajeitados em cima dum guardanapo, entre o prato e uma caneca de leite morno. Em casa era assim, tudo em seu devido lugar, e ai de quem desalinhasse algum móvel, ou seja, eu. Durante um tempo, observando esse comportamento desenvolvido dela, cheguei à conclusão que as pessoas se agarram à pequenos detalhes para não se submeterem ao sofrimento. E por incrível que pareça, essa mania ocupou sua mente quando nada mais ocupava, e isso a salvou de qualquer outro tipo leviano do pensar.
Após toda rotina matinal pré-colégio estar concluída, dirigi-me ao ponto avistando o ônibus escolar chegar. Senti um frio na barriga ao imaginar todo ano letivo num flash, acompanhado das boas e ruins expectativas. Eu poderia listar aqui, o que só aumentaria minha ansiedade. Entrei no ônibus, e, sendo a última casa do roteiro o que me restava de praxe era sempre o último lugar. [não pior nem o melhor, era meu e eu me sentia bem nele.]
Esse novo transporte era bem estiloso. Esse lado de Riverwater nunca vira tanto conforto sobre quatro rodas, e todos estavam tão bem-comportados no acolchoado dos assentos que eu pude ler no fundão. Se você jamais pegou um ônibus escolar não entenderá no cerne a proeza dessa situação. E o melhor de tudo era o aquecedor. É, de fato uma pena estar nessas condições justo no último ano do colegial. Por fim, após uma hora e meia de viagem, e quase toda a metade de Não me abandone Janette, fechei meu exemplar de Brida Clarsson. Chegamos.
High Hermánz era uma sátira aos colégios modernos do mundo. Sua estrutura era cheia de referências góticas, com torres que lembram castelos medievais e abóbadas de vitrais, contudo, seu interior era impregnado de tecnologia. A começar da impressão digital para adentrá-la. Sem mencionar a implantação de aulas com iPad's. Acho que sou o único que ainda leva caderno, caneta e corretivo. Eu gosto de manuscrever, a minha letra é bonita e o papel de alguma forma atiça minha imaginação. Os meus melhores poemas nasceram no meu caderno pessoal. Claro, os professores conservadores, e por sua vez possuindo direito a regalias, persuadiram ao diretor a deixar o velho quadro-negro com suas porções de gizes dentro do apagador de madeira. Em verdade eu me referia unicamente ao professor e vice-diretor, Kaleu Sunsshen. Falar no diabo, lá estava seu advogado. Trajando uma espécie de toga, esperava ele ao fim da escadaria do colégio como uma estátua, severa, grisalha e beijada pelo sol. O senhor Sunsshen não estava lá pelos alunos novos, não, estava lá para os alunos novos. Como um objeto de amostra. Dava para notar pela pose enquanto os monitores apresentavam-no aos novatos. Todos sabemos que seu sonho era tornar-se um homem da lei, mas outros caminhos tomaram sua vida, e cá está ele, com sua roupa impecavelmente desamarrotada, fingindo ser algo que sempre quis. Um espectro de um futuro frustrado, comprazendo-se nos caprichos vazios, das migalhas de tudo o que poderia ser, como sua toga, e seu martelinho em sua sala, julgando alunos como em um tribunal. Senhor Sunsshen adora superlativos, e de com eles enriquecem e refinam sua fala. O Senhor Sunsshen é deveras inteligente, e poderia estar usando-a para a justiça social maior, ao invés de deter rebeldes sem causa. Senhor Sunsshen é tudo o que não quero ser.
Existia uma hierarquia na qual nunca pretendi usá-la, e ela se baseava em cinco níveis correspondentes aos campuses espalhados: A torre dos Arcanjos, das Violetas, dos Lobos, O Village dos Barões e A Catedral dos Filósofos para onde estou indo.
A verdade é que a maior parte do colégio está desativada por não haver verba suficiente do governo. Como vocês podem perceber, High Hermánz não fora apenas um colégio do interior para adolescentes. Sua grandiosidade remanescia nas ligas que erguiam cada pedacinho para o alto... ou para baixo!
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O segredo de Riverwater
Novela JuvenilNessa pequena cidade interiorana, um jovem chamado Eliot vive uma vida comum. O que aparentemente é um clichê: uma amiga para se apaixonar, um vizinho para ser inimigo numa cidade sem futuro à oferecer, na verdade tornam-se uma singela e excepcional...