Um - Céu sem estrelas

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Sabe quando você pensa que a sua vida não pode ser mais perfeita? Que tudo ao seu redor parece incrível demais para ser real, mas você tem a absoluta certeza de que é porque isso é o que você vive todos os dias da sua vida? Pois é, minha vida costumava ser assim.

Pelo menos até semana passada.

Meus pais e eu formávamos aquele tipo de família que toda vizinhança gostava de usar como exemplo. Meu pai era um astrofísico brilhante e minha mãe uma astrônoma, igualmente brilhante, e eles eram completamente apaixonados pelo universo e tudo que tenha a ver com isso. Não é à toa que meu nome é Sol. Não Solange, Marisol ou Solana, apenas Sol. O sol deles.

E eu disse formávamos na conjugação passada porque eles morreram há exatamente sete dias. Sete dias que tenho vivido em um completo limbo.

Nunca mais nada será igual desde que eu ouvi milhares de vezes em uma só noite o "sinto muito" da equipe de resgate e jornalistas que estavam no local da queda do avião. Dentre as 500 pessoas que vinham dos Estados Unidos, apenas 127 pessoas não morreram, e, para a minha total infelicidade, meus pais não fizeram parte dessa contagem.

Os corpos dos dois foram encontrados de mãos dadas, com algumas partes quebradas e os rostos completamente desfigurados. No entanto, suas mãos estavam entrelaçadas e seguravam juntos uma foto minha. Pois é, a foto da única filha que eles deixaram órfã e agora precisou morar com a avó que não via há mais ou menos sete anos. E, como se já não bastasse, precisei me mudar da minha cidade e da minha escola. Mudar toda a minha vida.

Um giro de 360 graus que mudou muito além do meu endereço residencial.

Minha avó Rute é mãe da minha mãe, Débora. Ambas não tinham um relacionamento muito estável e eu nunca consegui entender o porquê disso. Não é como se minha vó fosse uma má pessoa ou uma mãe ruim, porque, por mais que eu não a tenha visto já faz um bom tempo, lembro-me de como ela costumava ser carinhosa e bondosa comigo e com a mamãe. Só que tudo isso mudou depois da minha festa de nove anos e até hoje eu não entendi porque minha vó sumiu tão de repente. Eu realmente não entendo como ela pôde mudar tanto tão repentinamente. Ou, como mamãe disse, ela finalmente revelou o seu verdadeiro eu e cansou de ser a vovó boazinha que estava sempre presente com sorrisos e abraços. Meus pais nos disseram para que eu não chorasse mais, que era para eu olhar para frente e seguir meu caminho e se ela tinha escolhido seguir o caminho dela sem me ter por perto, então, azar o dela. Só que muitas coisas não faziam sentido. Eu não conseguia entender que uma mulher que parecia ser tão bondosa em todo o tempo fizesse algo tão terrível para uma garotinha que era doida por ela.

E como eu poderia deixar minha vó pra lá se carregava tanto amor dentro de mim por ela? Como simplesmente fingir que ela não existe? Eu até tentei bastante por um tempo, talvez estivesse conseguindo, só que agora eu não tenha escolha e, pelo que eu saiba nem ela. Eu precisei vir morar com ela por ser a única parenta viva que tenha me querido, o que é uma verdadeira ironia da vida, não é mesmo?

Eu não consigo esquecer a cena que me assombra desde que eu era uma garotinha. Não consigo me esquecer de quando estava esperando pela minha vó para comemorar meus 9 anos na festinha mais incrível que eu tive, meus pais tiveram o cuidado de colocar cada detalhe representando o universo para mim, do jeito que eu queria, e eles fizeram um ótimo trabalho, contudo, mesmo tendo toda a decoração, comida e presentes que eu mais queria, eu não tive a presença da minha vó e tudo que eu pensava naquela noite era em como ela ia me achar lindo no meu vestido branco com detalhes prateados. Eu estava usando a sapatilha branca que ela tinha me dado no Natal, junto com o arquinho prateado de cabelo com estrelas nele. E então, como fiz por vários anos depois, esperei por ela da varanda. Esperei até finalmente entender que ela não iria mais, nunca mais. Isso partiu o meu coração de tal maneira que, por alguns minutos, eu desacreditei do amor, pelo menos até meus pais me abraçarem e dizerem que tudo ficaria bem. Bom, de certa forma ficou mesmo, isso até semana passada.

Escrito nas Estrelas (Trilogia Almas Perdidas - Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora