Capítulo 1 - Atrasada

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Um ano antes


Respirei fundo e pousei minha mão na maçaneta da porta. Eu estava com uma preguiça imensa naquela manhã, tinha acordado de madrugada para levar as visitas de minha mãe até o aeroporto e quando voltei, adormeci. Péssima ideia. Se eu tivesse tomado café e ficado acordada de vez, não estaria tão cansada – e atrasada – agora.

Existia um mito na minha universidade de que no mestrado o aluno tinha menos obrigações. Assistia aulas específicas, fazia sua pesquisa, ministrava algumas aulas, produzia a sua dissertação e puft! Tornava-se um mestre com uma imensa facilidade. Eu não sei como funcionava nos outros cursos, mas em Biotecnologia Animal não era bem assim. Especialmente para mim que era a "faz-tudo" da doutora Valéria Sorrentino, a coordenadora da pós-graduação.

Entrei sorrateiramente na classe, rezando para que ela não tivesse notado a minha falta. Impossível, no entanto ainda mantinha minha esperança. Como parte do currículo, eu era obrigada a assistir as aulas ministradas pela orientadora. Precisava aprender a didática e presenciar o cotidiano da universidade com a visão do professor.

Muito divertido...

A sala inteira prestava atenção à mulher elegante perto do quadro branco, ela apontava para um slide com um desenho de DNA projetado na parede pelo Datashow. No quadro reluzia em letra cursiva o título da aula: "Inbreeding e a variabilidade genética". Hum... As consequências do casamento entre indivíduos da mesma família. Ainda bem que era um tema que eu conhecia, tinha certeza que a ilustre professora não ficaria contente de me ver roncando em minha carteira.

Joana, uma amiga minha, acenou. Terminei meu curso de veterinária no semestre passado, por isso tinha amizade com a maioria dos estudantes. O que era bom em um momento desses, porém era terrível na hora que precisava ministrar a aula. O respeito diminuía um pouco quando você já tinha bebido em festas com a maioria dos alunos.

Sentei-me ao lado de Jo, uma garota de rosto delicado, pele e olhos negros, e belos cachos naturais. Ela parecia uma bonequinha ao meu lado. Emagreci para as fotos de formatura, mas já estava voltando a ganhar peso, como minha mãe — não tão delicadamente — gostava de apontar. Não que eu a culpasse, ela sempre foi muito preocupada com minha saúde.

Olhei para o caderno sistematicamente organizado da garota e pelas suas anotações, não tinha perdido muito. Suspirei de alívio. Perder o início de uma aula não era nada demais para a maioria das pessoas. No entanto — como mamãe também amava apontar — eu não era a maioria das pessoas.

Peguei uma bala de menta da bolsa. Havia escovado os dentes rápido demais antes de sair de casa e ainda podia sentir um gosto estranho em minha boca. Abri a embalagem no momento que a classe estava mais silenciosa, o que fez um barulho de plástico maior do que o necessário.

— Alguém pode me dizer porque não se deve casar com primos? — A doutora Sorrentino perguntou à turma depois de me fuzilar com o olhar.

Claudio, o mais engraçado dos alunos, foi o primeiro a levantar a mão:

— Porque o filho vai nascer com seis dedos!

Enquanto todos riam da expressão cômica do rapaz, a professora não pareceu se abalar. Eu sabia que ela não gostava de piadas na sala, o momento de estudar era sagrado. Não me surpreendi com a resposta seca.

— Se a polidactilia for um traço genético na família, sim. O problema de relacionamentos entre parentes é que uma falha genética na família seria facilmente passada para a próxima geração — ela avançou o slide, revelando várias fotos de cães sem pedigree — Trazendo isso para nossa realidade com animais, esta é uma das razões para os vira-latas possuírem uma variabilidade genética maior do que os cães de raça. Em geral, quanto mais variável, mais resistente será.

Alfa e Ômega (Amostra)Onde histórias criam vida. Descubra agora