Parte I

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Quando Rachel Hardy abriu a porta do apartamento que dividia com os pais em Midtown, encontrou-o vazio. Aquilo era normal, filha de uma corretora de imóveis e de um advogado renomado, a garota estava habituada à ausência deles.

Rachel fechou a porta de entrada do apartamento e trancou-a. Jogou sua mochila no chão da sala, fazendo a promessa mental de recolhê-la antes que sua mãe retornasse para casa. Deslizando pelo chão encerado do apartamento moderno de quase duzentos metros quadrados, a garota foi até a cozinha e se serviu de um copo de água.

Aquele dia havia sido exaustivo. No colégio, o professor de filosofia resolveu colocar a sala do segundo ano para discutir os motivos por trás do conflito que acontecia na Faixa de Gaza; alguns alunos apresentaram pontos em defesa dos ataques militares de Israel e outros se posicionaram ferozmente contrários a ele.

Rachel, por sua vez, não conseguia entender aquela discussão. Ao bem da verdade, não conseguia entender a guerra como um todo. Enquanto via os amigos discutindo sobre política e religião, mentalmente ela se perguntava que culpa poderia ter um pequeno garotinho que ela viu sendo retirado dos escombros que um dia haviam sido uma casa pelo noticiário.

Ao fim da aula, ela sentiu como se uma nuvem negra e densa a tivesse envolvido, consumindo suas energias de forma que tudo o que ela queria era uma cama quentinha e, talvez, um livro para folhear até que ela sentisse que o mundo era um lugar habitável novamente.

Por isso, terminou de tomar a sua água e pescou o seu iPod dentro do bolso do moletom. Encaixou os fones de ouvido e, caminhando em direção ao seu quarto, começou a procurar por uma música que pudesse combinar com o seu estado de espírito.

Quando passou por John Lennon, imediatamente as letras de “Imagine” começaram a ecoar dentro de sua mente e, sem pensar duas vezes, ela colocou a música para tocar.

Deitou-se em sua cama e ficou observando o teto, enquanto deixava que seus pensamentos fossem envolvidos pelos acordes do piano e a voz de Lennon. Por fim, fechou os olhos e fez exatamente o que ele pediu: imaginou um mundo em que não houvesse guerra, onde todas as pessoas poderiam compartilhar de um mesmo planeta sem se apegarem a pequenos e irrelevantes detalhes que eram capazes de deflagrar os mais cruéis e sangrentos conflitos.

Imaginou crianças israelenses e palestinas brincando. Os meninos, de esconde-esconde. As meninas, de boneca. Ou, talvez, fazendo penteados umas nas outras, rindo. Imaginou dois senhores jogando xadrez e conversando sobre amenidades, independentemente do turbante e do quipá que usavam.

Fechou os olhos e mergulhou naquele mundo embalado pela voz tranquila de John Lennon.

~.~

Quando Rachel abriu os olhos, encarou o topo esverdeado de árvores grandes. Entre as folhas era capaz ver de relance um céu azul claro e sem nuvens. Franzindo o cenho numa expressão confusa, ela forçou o corpo para cima, sentando-se.

Estava deitada no gramado e precisou tirar algumas folhas secas dos cabelos. Segurou uma delas pelo caule seco e girou-a, tentando entender o que estava acontecendo. Seu cérebro ainda estava um pouco afetado pela sonolência, mas ela tinha quase certeza que não tinha dormido num parque.

Olhou em volta, tentando se situar, mas antes que pudesse conseguir elaborar um raciocínio que fizesse sentido, ouviu duas vozes conversando.

A primeira era infantil e dizia:

- Mas onde está o meu pai, moço? – seu tom era choroso e fez com que o coração de Rachel se comprimisse em seu peito.

Instintivamente, ela se levantou de onde estava, retirou os fones de ouvido e guardou-os dentro do bolso do moletom, junto com o iPod. Caminhou na direção das vozes e encontrou um homem de altura mediana puxando um menininho pela mão para o interior do parque. O local parecia inabitado e, imediatamente, a visão a deixou incomodada.

Imagine - A John Lennon FanficOnde histórias criam vida. Descubra agora