Primeira Dança

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Havia se passado uma semana desde o acontecido e eu ainda não conseguia associar isso com a realidade.

Não era como se nós já não estivéssemos esperando por isso, ambos já sabíamos dessa possibilidade desde quando você recebeu o laudo confirmando o que tanto temíamos.

Apesar de todo o trabalho pra conseguir lidar com isso, de todas as conversas, de todas as terapias, eu esperava que fosse conseguir digerir o acontecido quando o dia chegasse; porém, a verdade é que eu não conseguia nem passá-lo da garganta.

Para mim, é como se você somente não estivesse aqui.

Não estivesse mais sentado ao meu lado acariciando minhas mechas loiras, não estivesse mais abraçando meu corpo quando a friagem do inverno passasse por debaixo da nossa coberta.

Mas isso não significava que você não ia voltar. Você adorava planejar viagens inesperadas, procurar por eventos ao redor do mundo.

Ainda me lembro da viagem para Paris, onde você apenas chegou em casa com duas passagens dizendo que havia nos inscrito num torneio de dança na França e que precisávamos viajar urgentemente.

Me lembro o quanto briguei com você, lhe chamei de inconsequente. De como nós não podíamos deixar todos os nossos compromissos para trás sem planejar, mas você me convenceu com seu charme e suas carícias.

Em minha cabeça, o motivo pelo qual você não estar agora sentado em minha frente me esperando terminar o chá que cotidianamente dividíamos, era porque você estava fora fazendo outra das suas viagens malucas. No entanto, dessa vez, sem mim.

Suspiro devagar, puxando o ar pelas minhas narinas e soltando-o pela boca. Você vivia me dizendo para fazer isso antes de um torneio importante, que me acalmaria. E sempre funcionava.

Porém, desta vez, não. Não importava quantos suspiros longos eu desse, a angústia não saía.

Talvez esse tempo todo, não fosse o ritual que me fazia relaxar de fato. Mas sim, você.

Levanto da mesa e coloco a chaleira cheia de água para ferver o nosso chá. Mesmo que eu vá tomá-lo sozinho, não conseguia não fazer um para você.

Caminho pela cozinha admirando a nossa decoração. Admirando o quanto a mesa de mármore que você havia escolhido combinava com a adaga de vinhos que tanto insisti em comprar para as noites de comemoração das nossas vitórias ou das noites de reconforto das nossas derrotas.

Passo a mão pela bancada e me recordo do cheiro de todos os jantares que já fizemos sobre ela. De como você ligava escondido para o nosso hyung à procura de dicas culinárias para surpreender-me com um prato complicado de fazer, mesmo que na maioria das vezes, o prato não saía como o esperado.

Gargalho sentindo o gosto da sua comida salgada descendo pela minha garganta e pela minha tentativa falha de fingir que o jantar havia ficado perfeito, mas para mim sempre era.

A risada dura até meus olhos se distraírem com a decoração no centro da mesa, não conseguia desviar a atenção. Ando em passos curtos até sua direção, em direção de um porta-retrato nosso. Particularmente, o meu favorito.

Essa foto mostrava tão bem as nossas diferenças e as nossas semelhanças, o quanto nós nos completávamos.

Pego-o nas mãos e o forço contra o meu peito, tentando fazer com que a sensação daquele dia voltasse para dentro de mim.

Levo a pequena fotografia para que não saísse do meu olhar, eu estava hipnotizado.

O apito da chaleira preenche o ambiente por inteiro na tentativa de fazer-me reagir. Porém, não importava o quanto o utensílio gritasse por atenção, eu não conseguia me mover, não conseguia tirar os olhos e as mãos da última recordação que você  havia me deixado.

Com um gosto amargo de nostalgia, dedilho seus suaves traços através da fotografia. Sinto cada parte da sua composição, seus olhos castanhos, seus cabelos escuros caindo levemente sobre o rosto, seus braços ao redor do meu corpo, seu sorriso junto ao meu.

Talvez de todos os pequenos detalhes que lhe formavam, o que mais me fazia falta era o seu sorriso. O seu sorriso que me esperava em casa, que me tranquilizava nas noites mal dormidas, que finalizava nossas danças.

Como eu sentia falta de dançar com você. Sentia falta de sentir a batida do seu peito contra a minha, o perfume em sua nuca e o magnetismo que os nossos corpos se atraiam.

Solto devagar o retrato com a lembrança do dia em que vencemos nosso primeiro torneio, como se cada detalhe daquele dia me voltasse a mente. Porém, eu queria sentir mais, precisava sentir mais de você.

Caminho até a sala e coloco a música que embalava a nossa vitória naquele dia, sentindo a descarga de energia que ela sempre me causara e, dessa vez, ainda mais.

Mexo meus ombros no ritmo que tínhamos combinado, fecho os olhos.

Sinto a sua respiração pesada em minha nuca e suas mãos apertando minha cintura, guiando meus passos através da música.

Sinto seu cheiro, seu corpo. Sinto até o sorriso que você costumava me lançar quando me via dançando.
Era a primeira vez que eu dançava sem você, Jungkook. Mas era como se você estivesse aqui, era como se eu nunca mais fosse conseguir dançar sem sentir você, sem ter você.

Quando a última nota acaba, sinto seu toque desaparecer, juntamente com a sua fragrância e o seu sorriso.

Abro meus olhos, você não está mais. Você nunca mais vai estar.

E é nesse momento que me jogo de joelhos no meio do piso da sala e, pela primeira vez, finalmente as lágrimas começam a cair.

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