Casa de bonecas
Dollhouse - Melanie Martinez
(Tradução)
— Você parece uma boneca, Laiz! — O padre Gabriel disse, sorrindo, olhando para mim.
Ele não sabia o quanto estava certo. Eu sei que ele quis dizer aquilo como elogio, mas não foi como aquilo soou para mim.
Bonecas são objetos bonitos e ocos por dentro e era exatamente como eu me sentia.
Estávamos sentados em volta da mesa de jantar, tudo estava devidamente colocado, os talheres combinavam com os pratos e bandeijas e era a primeira vez que minha mãe deixava eu usar uma de suas belas taças, fora momentos especiais como aquele, nós só usávamos copos de requeijão.
O lustre acima de nós iluminava o sorriso do meu irmão, mas não os olhos dele. O cabelo escuro estava impecável por debaixo daquele gel, mas o cansaço naquele rosto magro não estava sendo escondido suficientemente bem.
Era um jantar familiar, com alguns amigos mais íntimos, todos reunidos para comemorar a formatura do meu irmão, que havia acontecido mais cedo.
Taças eram brindadas e sorrisos falsos eram erguidos enquanto todos comiam o jantar feito pela minha mãe.
Ela parecia tão feliz e espontânea conversando com sua amiga e irmã, balançando sua taça de vinho na mão. Há! Como ela era uma ótima atriz. Nem parecia que se afogava em álcool todos os dias que chegava do trabalho.
— Diz aí, vamos ter um ótimo advogado na família!? — Meu pai comemorou, como se falasse com todo mundo no recinto, mas seus olhos hora ou outra paravam na melhor amiga de mamãe, e ela retribuía o olhar.
Alguma coisa revirou meu estômago. Minhas pernas quase agiram por si próprias para fugir dali o mais depressa possível, mas eu resisti. Porém, não consegui conter as lembranças de voltarem à minha mente.
Dias atrás, enquanto minha mãe trabalhava de noite, eu acordei no meio da madrugada para tomar água. Cantando uma música gospel, para afastar o 'capiroto', fui andando até a cozinha.
No momento em que meus pés pisaram o chão daquele cômodo eu desejei nunca ter tido a coragem de enfrentar o 'capiroto' e ir até lá, podia ter ficado na minha cama mesmo.
Meu pai estava lá, junto com a falsa melhor amiga da minha mãe, se atracando, como animais famintos.
E agora estavam ali, como se nada tivesse acontecido. E não só eles, essa era a especialidade daquela família, até eu me saía muito bem nessa brincadeira, sorrindo, fingindo sonhar com a possibilidade de ser como meu irmão um dia, com meu melhor vestido, branco de rendas, o rosto com blush, para mascarar minha pele pálida e os cachinhos feitos artificialmente. Até meus cabelos dourados eram falsos.
Mamãe olhou do papai para sua melhor amiga e deu um longo gole do seu vinho. Ela sabia... Óbvio que sabia, só isso explicaria as noites chorosas, as brigas contínuas e o álcool diário, mas mesmo assim eu não conseguia entender como ela continuava fingindo ser tão feliz, com a cabeça erguida, por que ela continuava com ele...
Talvez fosse algum poder surreal dos adultos, olhei para meu irmão e desisti dessa idéia, ele parecia quase estar desistindo de atuar, seu sorriso chegava a tremer de exaustão.
Danilo, meu querido irmão, Danilo, quem você acha que engana?
Talvez ele pense que eu seja nova demais para entender. Isso me lembra uma vez que estávamos na rua, de noite, só eu ele. Ele segurava a minha mão, porque tem que ter muito cuidado com crianças na rua, certo?
Estávamos chegando perto de casa, mas não continuamos a andar, ele parou, suas mãos tremiam e ele soltou a minha para procurar alguma coisa em seus bolsos. Seu rosto parecia doente, sedento e fatigado enquanto tirava desesperadamente um cigarro, acendia e colocava na boca.
Ele também não aguentava mais ficar dentro da nossa casa, não aguentava a pressão de ser um filho exemplar, as brigas dos nossos pais, Danilo estava afundando também e ninguém mais percebia.
— Não conte para ninguém, tá certo!? — Ele disse enquanto se sentava no meio fio.
Eu não disse nada, só balancei a cabeça afirmativamente.
— Se você contar eu juro que irá se arrepender... — Eu conhecia Danilo o suficiente para saber que ele odiava me ameaçar daquela maneira, mas tinha muito mais medo de decepcionar sua família 'perfeita'.
Os olhos dele tinham lágrimas.
Os meus também.
Naquela noite ao voltar para casa eu segurei firmemente a mão dele. Se é perigoso criança na rua penso eu que é mais ainda jovens desolados na rua e eu queria protegê-lo.
Antes de chegar em casa as vozes altas podiam ser ouvidas e antes de entrar respiramos fundo.
Meu pai segurava os braços de minha mãe enquanto os dois gritavam. Ela estava em seu limite, então, fez o que eu provavelmente faria no ligar dela, cuspiu nele. Mas é óbvio que ele não deixaria passar. Depois de dar um tapa nela e jogá-la contra parede, ele saiu batendo o pé, esbarrando na gente pelo caminho, como se não estivéssemos lá.
Danilo correu para a ajudar a levantar, mas ela não quis ajuda. Seus olhos estavam vazios e perdidos e naquela noite se mergulhou em álcool de novo.
— Acabou de comer, querida? — Minha mãe perguntou, me trazendo de volta ao presente.
— Sim. — Eu imitei o sorriso dela o mais perfeitamente que consegui.
— Hora da sobremesa! — Minha tia veio trazendo o pudim, desfilando e cantarolando.
Aquela sempre era minha hora preferida, mas não naquele dia. Eu não me sentia bem. Algo estava muito errado, a minha família estava errada, aqueles sorrisos estavam errados, até eu estava errada.
Todo mundo ao redor se pareciam com aqueles comerciais de margarina, como se usassem máscaras.
— Está tudo bem, querida? — Minha mãe perguntou, com os olhos desconfiados.
Pensei em dizer toda a verdade, dizer que eu sabia toda a verdade, gritar, dizer para todo mundo que não tínhamos nada de perfeitos, gritar, dizer que nada daquilo estava certo. Gritar!
— Sim, está tudo bem. — Mas não disse nada daquilo.
— Venha, vamos tirar uma foto em família. — Ela me puxou pelo braço, delicadamente.
Ela se posicionou ao lado do meu pai e ao ao lado do meu irmão.
— Sorria. — Padre Gabriel disse, alheio à todos nossos problemas.
Sorrimos.
Parecíamos uma família perfeita.
Mas éramos feitos de plástico.