Capítulo 1 - A Bruxa e o Monstro

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– Hector, venha aqui imediatamente – Chamava a senhorita Spellors pelo seu fiel assistente e companheiro de longa data.

A porta de madeira da cabana abrira revelando uma figura de grande porte e estatura, a qual se aproximava da jovem mulher que estava próxima a uma grande poça de líquido róseo espalhada pelo chão.

– Chamou Monstro, senhora? – Perguntava o homem de voz doce, porém rouca e arrastada.

Monstro estivera com Spellors há mais tempo do que podia se lembrar. Antes um rapaz esbelto e de belo sorriso, agora um homem de grotescas feições e diversos ferimentos que sofrera durante a vida.

– Poderia me explicar o que meu frasco de luaforte faz quebrado no chão? – A moça cruzava os braços e batia um dos pés em sinal de impaciência. – Que há de ser esta bagunça?

O homem coçava a parte de sua cabeça onde se encontrava uma enorme cicatriz de queimadura, privando-o de quaisquer fios de cabelo que pudessem crescer ali, mas deixando espaço para que algumas mechas emaranhadas surgissem do lado oposto.

– Monstro não sabe, senhora... – Juntava as mãos à frente de sua cintura e olhava para baixo intimidado, o que fazia com que parecesse muito mais inofensivo do que realmente era.

Mas a moça muito bem sabia que não haveria de ter entrado outra pessoa ali. Havia só os dois naquela parte da floresta, isolados do pequeno vilarejo, que se encontrava a alguns quilômetros de lá.

– Ora, Hector, houve o tempo em que tu foras mais esperto... – Dizia a mulher, lançando um breve suspiro enquanto balançava a cabeça em reprovação.

Hector sempre tivera certo nível de deficiência mental, porém estava pior nos últimos tempos. Demorava mais para formar frases e insistia em se referir a si mesmo como "Monstro", mesmo a moça não gostando nada daquilo.

– Bom, teremos que buscar por mais – Decidiu, por fim. – Esta não servirá, e meu estoque está se esgotando.

Spellors seguiu então em direção a um velho baú de madeira, onde guardava suas roupas. Retirou de lá um enorme manto de lã preta e logo o pôs, cobrindo grande parte de seus cabelos ondulados e também de sua túnica de linho bege, a qual estava vestindo amarrada à sua cintura por uma corda grossa de barbante. Precisava estar aquecida e muito bem tapada, pois uma frente fria estava chegando, e não poderia arriscar ficar doente.

Monstro, por sua vez, decidiu seguir viagem com as roupas do corpo; uma camisa creme de manga comprida e uma calça de tecido acinzentado, ambas muito mal cuidadas, apresentando pequenos rasgos e manchas de terra. Trocava de roupa uma vez por dia, porém o árduo trabalho braçal, que realizada constantemente, deixava-o tão sujo quanto se tivesse passado vários dias sem sequer tomar banho.

– Acho que temos tudo, por agora – Disse a moça enquanto guardava seu punhal de cabo dourado juntamente à sua cintura e colocava alguns frascos vazios no bolso de seu manto. – Ah, sim. Estava me esquecendo.

A mulher adentrou o segundo e último cômodo da cabana, onde se encontravam duas camas de uma madeira antiga e já apodrecida, uma de casal e a outra de solteiro. Retirou debaixo da cama de solteiro um grande machado de lenhador e prontamente retornou para onde Monstro se encontrava.

– Pegue, Hector – Ofereceu o machado para o homem, que imediatamente o agarrou com uma das mãos, puxando-o pelo ar até que pousasse em um de seus ombros, que serviria de apoio. – Só... Tome cuidado por onde você balança este treco. – Dizia a moça, cujo pescoço passara centímetros de ser arrancado fora do corpo.

– Ha, ha... Desculpa Monstro, senhora – Soltava uma risada sem jeito, porém achava graça da situação. Spellors, no entanto, não dava o mínimo ar de graça.

Os dois então seguiram para fora da cabana, que dava espaço a uma enorme floresta de pinheiros. A maioria de sua vegetação era rasteira, porém de grande variedade naquela região, possibilitando a Spellors o acesso a diferentes tipos de ervas medicinais, como a luaforte que, quando transformada em chá, servia como um ótimo calmante.

Após alguns minutos de caminhada, os céus ficavam mais escuros, anunciando a chegada da noite, assim como também anunciava a aproximação de uma forte tempestade.

– Relatório do dia – Dizia a moça enquanto virava os olhos à procura da planta correta, porém sem sucesso.

– Monstro viu quatro caçadores mais cedo. Não! Monstro acha que foram cinco! – Coçava o queixo com a mão desocupada do machado, tentando se lembrar. – Monstro viu cinco...?

– Vamos... – A moça revirava os olhos, impaciente – Não tenho tempo para essas bobagens. Decida-se.

O homem parou por alguns instantes e tentou forçar-se a se lembrar. Spellors parou junto ao rapaz, esperando pela resposta deste com certa dúvida de que fosse se lembrar de algo.

– Monstro... Monstro lembra! – Subitamente abraçava a moça com um dos braços, em êxtase pela conquista. – Quatro caçadores e uma criança. Sim, Monstro tem certeza!

- Uma criança? – A voz da moça saía abafada, devido seu rosto estar sendo imprensado contra o peito do enorme homem. – O que uma criança faz com caçadores? Aliás... Você está me sufocando.

– Ah, Monstro sente muito! – O homem rapidamente solta a moça, que dá umas batidas na roupa amarrotada, tentando se ajeitar. – Monstro não viu a criança com caçadores. Monstro viu a criança sozinha. A criança viu Monstro, também.

– O quê? – Spellors colocava a mão sobre a boca, incrédula. – Enlouqueceu...?!

– A criança? – Monstro perguntava inocentemente. – Não. Criança amiga de monstro. Criança prometeu não contar.

– E você acreditou? Eu nem sei por onde começar... – Subitamente um grito agudo e assustado preenche o ambiente. – Que foi isto agora?

– Amigo de Monstro...? – Monstro rapidamente se afasta da moça e corre freneticamente para onde o barulho está vindo.

– Espere por mim, seu grande idiota! – Spellors grita para o rapaz, mas este já estava longe e simplesmente ignora a ordem. – E lá vamos nós...

A moça começa a correr desajeitadamente atrás do homem, constantemente tropeçando em galhos secos e amaldiçoando cada um destes. Quando finalmente alcançou o rapaz que já havia parado de correr, estava extremamente ofegante, pois havia anos que não fazia tamanho esforço físico.

– Maldição... Não se abandona uma moça no meio da floresta! Está me ouvindo? – O homem claramente não estava, pois olhava fixamente em uma direção. – Que está vendo de tão interessante? – A moça virou sua atenção para o mesmo lugar. – Ora, ora...

A cena à frente era uma verdadeira chacina. Havia pelo menos três corpos de homens adultos espalhados pelo local, totalmente dilacerados e deformados. O cheiro pútrido de sangue começava a subir pelo ar, e moscas pousavam na carne exposta dos corpos já sem vida. Aparentemente, uma matilha de lobos houvera passado pelo local, pois um deles ainda estava presente.

À frente do enorme lobo acinzentado, um garoto vivo e ofegante, que estava caído no chão, usava de todas as suas forças para se afastar do enorme animal, que vinha com as presas expostas, fazendo uma feição demoníaca e macabra.

O garoto não aparentava ter mais que dez anos e se encontrava totalmente apavorado, com uma das pernas ensanguentada e provavelmente quebrada. Mas este não chorava. Apesar de trêmulo e totalmente assustado, tentava fazer uma expressão mais assustadora que a do lobo, com o intuito de assustá-lo para longe.

Spellors não poderia estar mais contente:

– Bem, se aquele for o garoto que te viu mais cedo, problema resolvido. – E então deu as costas para o menino. – Venha, Hector. Vamos embora...

Porém não houve resposta. Quando deu por si, o homem de enorme coragem já estava avançando contra o lobo, com seu machado devidamente preparado para o combate.

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⏰ Última atualização: Feb 21, 2019 ⏰

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