Prólogo

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O rapaz tinha o terno banhado por sangue, o rosto molhado pelo suor, as olheiras quase intermináveis e a pele cheia de pequenos cortes feitos à faca, pela a aparência o mesmo devia ter uns trinta anos no máximo. Estava numa maca cirúrgica totalmente ensanguentada, os braços e pernas estavam amarrados e os arames perfuravam sua pele cada vez que o mesmo resolvia se mexer.
Pude observar o suor escorrer por sua face, gotas de dor e desespero que se misturavam ao sangue como o pagamento de sua divida divina.
Era assim que meu irmão – de sangue nobre e intocável – optava por purificar as almas que julgava condenadas. Observei atentamente por minha janelinha cada detalhe daquele corpo que logo estaria sem vida, fora-se o tempo em que tal cena me assombraria.
A tortura física nunca superaria a perdição de uma pobre alma calejada e inocente.
Abracei-me tentando manter meu coração no peito, temendo que um dia a frieza chegasse ao mesmo e me deixasse tão perversa quanto o próprio diabo.
E dessa vida que me foi destinada pude tirar algumas conclusões:
1° - As aparências não enganam de forma alguma, apenas nos falta cautela ao examinar cada figura como ela realmente é.
2°- Sorrisos brancos e constantes - em excesso - escondem sempre uma pitada de maldade e dissimulação.
3° - Olhos transparentes e sem brilho escondem segredos obscuros e perturbadores.
4° - Sussurros calmos e frequentes são capazes apenas de acalmar os gritos das vontades nunca extravasadas.
Aquela pobre alma indefesa ainda tentava inutilmente escapar, vez ou outra movia os braços ou pernas deixando escapar gritos estridentes e avassaladores que perturbavam meu sono há algumas noites.
Apesar de toda a compaixão que ainda permanecia em mim, nada daquilo me assustava , era apenas minha triste e maldita rotina. Logo, tudo seria limpo por mim, das manchas de sangue no chão ate o cadáver.
Levantei-me da cadeira ao ouvir o silêncio sendo cortado pelo som dos sapatos de Jason entrando em contato com o piso de madeira, minhas mãos suavam frio ao saber que o mesmo estava cada vez mais perto, tentei controlar a respiração ao ouvir os passos cessarem.
Ele ficaria furioso se conseguisse sentir algum resquício de medo vindo de mim, naqueles momentos a exigência era que eu fosse assim como ele, impenetrável.
Prendi a respiração ao ouvir a maçaneta metálica ser girada, a porta atrás de mim fora aberta com uma calma perturbadora, não ousei mexer sequer um músculo de meu corpo com medo de desmoronar ali mesmo.
Senti o mesmo aproximar-se levemente – da mesma forma que uma serpente cerca seu alvo e o assusta apenas com o silencio e o toque frio.
Colou o corpo ao meu enlaçando minha cintura com suas mãos grossas e ágeis, perdeu-se na curva de meu pescoço com leve selares, me arrependi amargamente por deixar minha pele totalmente exposta.
A ponta de seus dedos foi de encontro a uma mecha solta de meu cabelo, fechei os olhos sentindo a repulsa percorrer cada parte do meu ser, engoli seco o grito que se formou em minha garganta. Meu corpo todo estava arrepiado e tenso, orei mentalmente para que algum deus pudesse me salvar. Nem o sussurro do vento ousava interromper aquele momento, era como se o desgraçado conseguisse manipular tudo ao seu redor, os segundos tornavam-se infinitos nas mãos da serpente maldita.
- Já conversamos sobre isso minha garotinha, não me desobedeça novamente. - seu tom de voz era calmo e ao mesmo tempo ameaçador aquele sádico sempre soube como brincar comigo, cerrei meus punhos e os abri em seguida tentando conter meus instintos diante de toda a tensão, queria apenas me deitar no chão e chorar até morrer.
As mãos de Jason não tardaram a desatar o nó que eu havia feito minutos antes em meu cabelo na inútil tentativa de apenas me distrair.
- Me escute.
- Certo. - sussurrei.
- Sinto muito, vamos passar por isso juntos. - as palavras saíram de sua boca como uma leve poesia. Ele tentava acalmar-me. E a parte tenebrosa era que eu queria ser acalmada, ainda nutria a esperança de que ele faria tudo isso passar. Respirei fundo ao senti-lo entrelaçar sua mão a minha com extrema delicadeza, segurei firmemente e caminhamos em direção ao nosso "paciente" sem pressa alguma.

Paramos ao lado da maca, Jason analisou minuciosamente o corpo ali presente, os olhos castanhos brilhavam e o sorriso ia de orelha a orelha. Do canto da sala o mesmo tirou uma cadeira e me pediu que sentasse com todas as reverências que um cavalheiro faria. A tensão aumentou. A porta atrás de mim foi bruscamente fechada fazendo-me quase saltar da cadeira, tudo era muito lógico, porém, sempre me recusava a aceitar.
- Observe bem e aprenda irmãzinha - sua voz soava fria e tenebrosa.
- Não quero ter que substitui-la algum dia. Mordi o lábio inferior automaticamente, percebendo apenas ao sentir o gosto metálico de sangue em minha boca.
Jason tirou a gravata ficando apenas com sua impecável roupa social, os cabelos ruivos e ondulados estavam despenteados e a barba rala quase não aparecia - ainda era um menino vestindo-se como adulto.
Um sorriso sacana brotou de seus lábios, suas mãos retiraram de um dos cinco armários cinza um pequeno canivete prateado com o cabo revestido em couro. Lentamente ele aproximou-se do rapaz, os olhos daquele morto-vivo quase saltaram de sua face, a tensão e o medo o impediram de gritar ou mover-se, apenas seus olhos azuis encharcados de lágrimas suplicavam por ajuda.
Ele - de seu modo. - Implorava a mim que fosse sua salvadora, talvez ele fosse à exceção. Meu conflito interno seria resolvido e finalmente eu perceberia que aquela era a gota d'água. Mas a realidade era o oposto de toda essa fantasia, a maldita realidade batia com tudo em minha face todos os dias. O ciclo se repetiria até que Jason estivesse satisfeito, eu aguentaria e veria toda a vida de outras pessoas serem ceifadas pelo maldito anjo da morte, ate que minha pobre alma encontrasse o descanso eterno.
Agilmente sem que eu pudesse me preparar o primeiro corte raso foi feito- na diagonal em sua perna esquerda abaixo do joelho. Seu primeiro grito cortou totalmente o silêncio, sustentei o olhar observando o sangue vivo escorrer e o cheiro intensificar-se se espalhando por todo o ambiente. Minha garganta doeu. A angústia era grande demais. Não poderia continuar ali. O suor frio escorreu em meu rosto e o medo não me permitiria sequer ficar em pé. Apenas em imaginar os próximos atos de meu irmão meu corpo tremia e minha alma gritava. Além do sossego e a calma, ele ainda roubaria daquele rapaz a sanidade, a coragem, a dignidade, o orgulho e a vida.   



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Ate o prox. capitulo.

ResignadaWhere stories live. Discover now