Tudo começou no dia dezesseis de agosto. Era um dia nublado, onde a falta da luz do Sol descoloria a tudo e a todos, como se as coisas fosse levemente filtradas pelo efeito especial de preto e branco do Instagram. Meus sentimentos costumam variar de acordo com o clima (e de acordo com a playlist do meu iPod, mas isso não vem ao caso). Então não estava particularmente feliz nesse dia. Mas a razão da minha melancolia não era apenas o clima. Era o meu aniversário.
Sim. O dia dos flashes impiedosos das câmeras Kodak, os sorrisos dos vultos que se mixam em um amontoado, os parentes desinteressantes que apenas sabem repetir o mantra de “Onde está sua namorada?” como papagaios insistentes, as piadas sem graça, o meio social que te traga sem pestanejar. E o pior de tudo:
O bolo.
Os números.
A lembrança da morte universal e eminente.
Animador, não é? Pois é, lépido leitor. Para a maioria das pessoas, a resposta é sim.
E você se pergunta: E tu, ó, destemido herói, onde se encontras no meio de todo este ritual profano? Guerreando contra o monstro face a face?
Quase isso. Acontece que eu estava trancado no banheiro. Cagando. Enquanto o resto do que já foi alimento e naquele momento era processado e inútil para o meu corpo descia pelo meu canal anal e a água já suja do vaso respingava na minha bunda nua e branca, gostaria de dizer que meus pensamentos estavam em outro lugar. Debatendo a existência de Deus ou algo assim. Mas, sempre que eu mais preciso, eu perco a habilidade de escritor de “viajar para o outro lugar”. Eu queria não estar pensando no agora, na realidade, na minha bunda molhada com água da privada suja de merda.
Eu estava encarcerado na prisão que eu mesmo criei. Hum... Metáfora clichê. Eu estava tentando ir para o “outro lugar” de todas as formas possíveis, e apesar de não estar com o Word ou com papel e caneta, ainda estava com a minha mente. Só, que neste momento, isso não era o suficiente.
Me levantei, e acho que você não precisa saber dos próximos detalhes. Ah, não. Precisa sim. Após usar o papel higiênico — muito áspero, por sinal — e o jogar no lixo, me levantei, puxei minhas calças jeans e afivelei o cinto. Então me virei de frente para a privada e dei descarga.
Ou deveria ter dado.
Apesar de puxar a cordinha diversas vezes, não vinha nenhuma enxurrada de água varrer a bosta da minha frente. Então, em vez de dar a descarga, lavar as mãos, e voltar para a festa, fiquei ali parado. De pé, encarando minha própria merda. Os simbolismos e metáforas eram tantos, e tão profundos, que permaneci em êxtase, bem ali mesmo, por alguns segundos. Era tão chato ter uma mente ativamente criativa e procurar poesia e metáfora no cotidiano, mas só se deparar com o caos aleatório. Mas agora eu via uma mensagem. Agora eu via um caminho viável por qual seguir. Todo dia eu defecava e dava descarga. Agora eu não podia mais fugir da minha própria bosta. Agora eu a encarava. Sentia seu fedor. Observava sua textura, seus contornos, o brilho da lâmpada no seu marrom molhado.
Não deixava de tentar mandá-la embora, mas hoje percebi que não conseguiria. Chega a ser profético. O dia que anuncia o término de um ciclo é aquele que me obriga a peitar os meus demônios. Eu não vou continuar nesse estado entorpecido. Saio do banheiro, me sentindo um extraterrestre. É o meu apartamento? Ou outra dimensão? Essas pessoas existem? Ou é apenas mais outra criação da minha cabeça?
A canção em uníssono dedicada a mim parece um grito distante demais para receber muita atenção. Tudo é uma confusão de cores e sons soníferos e descartáveis. Para quem eu estava atuando? Eu estava mentindo para eles?
Ou para mim mesmo?
Sopro as velas.
As chamas diminutas apagam. O calor e luz que emanavam se extinguiu. Mas não para sempre. Elas voltam alguns instantes depois, como um lutador de UFC se levantando após o que havíamos pensado ser um nocaute. Tento novamente. E, após meu sopro, algumas velas usam o que restou de brasa para reascender. De novo. Só pode ser brincadeira. Ouço algumas piadas. Finjo que acho a situação engraçada, e assopro pela terceira vez, dessa vez determinado a torná-la a última. Uso todo meu fôlego.