❝ O AMOR ❞

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Eu não sou bom para você. Estar comigo é um erro. Mesmo assim não me abandone, por favor...

Parte 1.

O céu, nublado por nuvens pesadas, derramava uma cortina densa de neve sobre a Ásia naquele 4 de dezembro. O cobertor fofo e congelando havia coberto o continente mais cedo nesse ano, pegando todos desprevenidos. Era uma quarta feira e pessoas iam e vinham com certo fervor em determinadas ruas e calçadas de Gwacheon, na Coreia do Sul, e era um dia muitíssimo especial, aliás. Era aniversário de Bêlto, um dos Deuses do amor.

Bêlto sempre ia ao solo comemorar seu dia de nascimento, afinal foram os humanos que o trouxeram à existência. Ele visitava seus templos, admirava paisagens, observava pessoas em suas rotinas, praticava gentilezas quando via necessidade ou havia vontade de intervir na vida mortal, e absorvia a delicadeza de quem enxergava os detalhes mais internos e únicos de alguém ou em si próprio, para aumentar sua força. Infelizmente esse tipo de ato estava escasso no atual século. Isso o enfraquece aos poucos, como uma doença roubando sua saúde lentamente, fazendo-o cair num escuro doloroso enquanto a humanidade se esvai em ganância, cegueira e falta de amor próprio, e completamente sem empatia.

Bêlto suspirou alto e acabou por sentir o perfume delicado de flores, logo foi até a vitrine de uma loja adorável, as paredes de tijolos à vista eram antigas e beges, o nome em arco amarelo nos vidros e acima da porta de madeira se destacavam no restante de tons neutros do lugar. Os vasos de planta do lado de fora estavam quase congelados, as folhas dos arbustos bem colocados em frente quebrariam com som crocante igual uma chips se Bêlto as forçasse. Porém dentro do estabelecimento tudo era aquecido na temperatura perfeita e bem iluminado, era acolhedor lá dentro. As cores vivas das flores diversas espalhadas precisamente na parte interior pareciam também aquecer mais o lugar e o inverno em si.

Ele gostaria de ter amigos para compartilhar sua felicidade nesses lugares, que mantinham a beleza rústica ao longo das eras, demonstrando que clássicos ainda moram nos corações alheios. Bem, ele até mesmo tinha com quem compartilhar isto, mas não da forma como queria.  Bêlto era um Deus querido nos céus, meigo e gracioso, protetor e amável, engraçado e cheio de sabedoria, todavia sentia-se sozinho e vazio quando estava em meio a tanta atenção, pois sabia que na realidade não era tudo isso. Existem incontáveis Deuses regendo os mais diversos tipos de amores.
Se ele deixasse de existir ninguém sentiria sua falta.
Oh, a não ser o dono do par de olhos escarlates que o salvou da fina lâmina de uma espada qualquer, uma certa vez. Esse sentiria imensamente sua falta.

Desmonter, um demônio da destruição. A própria calamidade encarnada. Ele havia nascido durante uma guerra muito antiga, pela sede de sangue e ódio entre inimigos, quando abriu seus olhos pela primeira vez, jazia já uma nação liquidada diante de si e um mar de sangue cobrindo seu corpo nu.
A primeira vez que suas orbes encontraram com as de Bêlto uma espécie de sentimento arredio, um forte arrepio,  passou pelo corpo de ambos, mas foi durante uma reunião celeste, que prega o equilíbrio entre céus e inferno, que ambos ficaram lado a lado, com apenas a fina cortina branca (uma total formalidade) cobrindo individualmente cada posição sentada na sala que conversaram de verdade. Logicamente sendo Bêlto dando início ao assunto mais aleatório possível, tratava-se de algo sobre penas usadas nas canetas tinteiros de alguma loja humana, de como cada uma  era enorme em especial por ser feita com pena de pavão.
Deuses da calamidade feito Desmonter não tinham trono no céu, permaneciam em terra para não corromper os Deuses bondosos feito Bêlto e acendiam apenas nessas reuniões repetitivas de décadas em décadas, e nem sequer precisavam realmente. Deuses não fariam nada amém de ficarem gratos por não haver demônios nessas reuniões. Elas era uma farsa na verdade. Pura hipocrisia destilada como nectar, mas na verdade era unicamente um doce veneno.
Desmonter viu então a inocência de Bêlto e entendeu que talvez não tivesse sido boa idéia ir até lá, o jovem Deus não calava a boca um momento sequer, mesmo quando fazia uma pergunta a Desmonter não o dava tempo de responder pois já emendava o assunto com fôlego eterno. No fim daquela reunião apenas ele se calou. Foi reforçado o motivo de nenhum Deus e nenhum Demônio poderem se tocar. Literalmente.

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