Vozes Entre Ruínas || Volume I

III- O Reino

- Sempre foste assim tão trapalhona? - perguntou Bella, estendendo-me a mão para me ajudar a levantar.

Não respondi. Mantive a expressão neutra, fria.

Caminhei até ao grupo que, obviamente, tinha vindo com ela, deixando-a para trás, no mesmo sítio onde me ajudara.

- Aqui têm o meu agradecimento: armas, comida... - disse, largando os sacos no chão, diante deles.

- Obrigada, mas não era necessário. Nós teríamos encontrado. - respondeu Mike, a sua voz serena.

- Não foi por isso que me ajudaram? Aqui está o que precisam. Agora sigam o vosso caminho, e eu sigo o meu. Agradeço a vossa ajuda, mas já não preciso dela. - afirmei, firme em cada palavra.

- Não foi por isso que te ajudámos. Achas mesmo que, se tivéssemos segundas intenções, não te teríamos simplesmente deixado morrer e, mais tarde, invadido a casa sem qualquer piedade? - Bella interveio, aproximando-se.

Fiquei em silêncio, o rosto sério.

- Deixa-te de teimosia. - disse Jess, o olhar a brilhar com algo parecido a orgulho. - Vimos-te a lutar. Precisamos de lutadoras como tu. E tu precisas de aliados para encontrar o teu irmão.

Encarei cada um deles, suavizando a expressão.

- Então? Vens connosco? Juntos, vamos encontrá-lo. - questionou Mike.

Continuei sem responder.

- Anda lá. - insistiu ele. - Já te provámos que somos de confiança. Se quiséssemos matar-te, achas que íamos esperar até te levar à nossa casa?

Antes que pudesse dizer algo, Fill interrompeu:

- E tu também nos mostraste que és de confiança. Podias ter morto a Megan... não que ela não merecesse.

Megan lançou-lhe um olhar fulminante e ergueu-lhe o dedo do meio.

- Mas não o fizeste, mesmo tendo razões para isso. - continuou Fill. - Isso diz muito sobre ti. O mundo já está demasiado destruído, há poucas pessoas leais e de confiança por aí. E precisamos de alguém assim ao nosso lado.

Sem querer, deixei escapar um sorriso tímido. Pela primeira vez, senti algo próximo de um carinho genuíno vindo deles. Mas... e o meu irmão?

- Não sei... - murmurei. - E se ele já não estiver vivo?

- Vamos encontrá-lo. Eu prometo. - a voz grave de Kaleb soou inesperadamente. Nunca o tinha ouvido falar antes, mas havia algo na sua expressão que me fez acreditar nele.

Assenti, aceitando a decisão de ir com eles.

Todos gritaram de felicidade - exceto Megan, claro. Mas, sinceramente, não queria saber dessa cabra.

Talvez estivesse na hora de confiar um pouco mais no meu coração... e deixar de permitir que o medo comandasse as minhas decisões.

...

E lá estávamos nós, a caminho do tal "Reino". Ainda me perguntava por que raio lhe chamavam assim. Se tiverem um "chefe" a quem chamam de "rei", eu juro que isto vai parecer um autêntico conto de fadas.

Isso não era coisa de séculos atrás? Ou terá virado moda depois do mundo ter ruído?

Enfim... em breve descobriria.

Depois de algum tempo a caminhar, encontrámos um jipe. Comparado com as casas destruídas ao seu redor, estava surpreendentemente bem conservado. As janelas estavam intactas, e, não fossem os riscos e as amolgadelas no capô, quase poderia dizer que tinha acabado de sair de um stand de carros.