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— Vai querer mais café, senhor? — perguntou a garçonete vestida de rosa dos pés à cabeça.

Yegor levantou os olhos devagar. 

Olheiras negras e profundas contrastavam com o azul límpido de suas íris, os cílios longos e claros piscaram duas vezes antes de responder a mulher apática a sua frente.

— Por favor. — A voz rouca era quase um sussurro saído de sua boca.

A garçonete tocou seu dedo indicador na borda da xícara e em segundos o vazio daquele recipiente fora preenchido por líquido escuro e forte.
— E a garota?

À frente de Yegor, quase sem conseguir encostar os dois cotovelos na altura da mesa, uma menina franzina, por volta de seus nove anos estava sentada. Nas bochechas dela, barro e sujeira misturavam-se com suas sardas ruivas.
— Red? — questionou Yegor para a garçonete. — Pergunte a ela. A garota definitivamente sabe o que quer. — Soltou uma risada engasgada seguida por uma tosse seca.
— Daqui eu não quero nada. Tudo tem gosto de plástico. — disparou a miúda garota olhando emburrada para Yegor.
— Comida tem gosto de plástico, nanica. — ele resmungou. Levantou a mão e acenou dispensando a garçonete que logo em seguida sumiu em um glitch.
A voz anasalada da apresentadora do jornal da manhã capturou a atenção de Yegor e Red.



"ROBONES higienizou por completo mais um território no norte da Ásia. O Presidente Maior divulgou em nota que o último humano foragido da cidade de Astana no Cazaquistão fora capturado por seu Robot Similar. Alak Muab agora é o último da oitava geração de Robots na Ásia a despoluir por completo a vida em sociedade do local. Os planos do Presidente Maior são de em 2755, em menos de um ano, conseguir higienizar toda a raça de humanos foragidos. Os robots da oitava geração que não conseguirem completar a higienização até o tempo estipulado pela ROBONES serão desligados e substituídos pela nona geração."


— Vinte minutos, esse é o tempo que eu tenho, nanica. — Yegor sorveu um longo gole do café tomando a atenção da garota para si. — O meu Similar tem vinte minutos para chegar até aqui e me fazer em pedacinhos. O maldito quase conseguiu. 



Ele levantou o braço esquerdo que estava escondido até então. Ali, naquele espaço que deveria estar sua mão, agora apenas via-se um cotoco enfaixado. Voltou a esconder rapidamente porbaixo da jaqueta.

— Antes de te encontrar, com essa maleta velha e esse urso de pelúcia ridículo, eu consegui fugir dele. Essa é a última chance de ele me "higienizar" desse sistema fodido. 


Yegor olhou rapidamente para a garotinha a sua frente e levantou um dos cantos dos lábios.

— Nanica, foi o momento mais aterrorizante da minha vida. Não quando ele me achou. Ou quando ele cortou fora a minha mão. Não, nanica, fodido foi quando eu vi o meu nome naquela lista de procurados, e o tempo que o meu Similar tinha pra me caçar. Eu quase borrei as minhas calças. Eu chorei naquele dia, eu chorei feito um garotinho aterrorizado.

Yegor baixou seus olhos para a xícara em silêncio, desfazendo seu sorriso. Tomou o último gole da xícara. Passou a mão trêmula em seu cabelo, ajeitando-o. 

— Nanica. - Yegor começou baixo. — Eu não vou conseguir dessa vez. Ninguém consegue. Esses malditos robôs foram programados para serem uma cópia idêntica e melhorada da gente. Meu Similar sabe dos meus defeitos, qualidades e medos. Ele sabe como me pegar, nanica. — Yegor olhou para o relógio na parede contando os últimos minutos que restavam antes que o Robot chegasse ali. — Ele vem me procurando. Eu sei disso. Eu sei porque eu sou a porra do melhor hacker desse distrito, e nem mesmo eu consigo apagar meus rastros.

Dyadya... Tio. — Red começou a remexer em sua maleta.

Puxou um revólver e levantou com as duas mãozinhas como se o mesmo fosse pesado para ela.

— Eu vou fazer isso. Esse Robot não pode me atacar, eu não sou Similar dele, e ele não espera por mim. — Guardou rapidamente o revólver, e com olhos arregalados, falou. —Você me ajudou Dyadya, e eu vou ajudar você.
— Você vai precisar ser forte.

— Eu sou.

— Você vai precisar ser forte psicologicamente, vai precisar diferenciar nós dois. Ele é uma cópia exata de mim. Até mesmo eu fico confuso quando vejo os olhos dele, os meus olhos.
Os dois ficaram em silêncio. Após um milésimo de segundos, Yegor olhou para o teto e soltou uma gargalhada.

— Meu Deus, Yegor. Você é mesmo um homem miserável... Uma garotinha de nove anos vai salvar a merda da sua vida. — falou para si mesmo, por fim, apontou para a xícara a sua frente

— É melhor pagar por isso e esperar o meu amigo lá fora.

Yegor passou o braço com uma pulseira metálica rapidamente por cima do canto da mesa, onde havia um painel luminoso com os valores a serem pagos. Assim que ouviu-se o bip do pagamento, o holograma da garçonete apareceu.

— Obrigada pela sua presença! — a mulher de rosa disse de forma mecânica, desaparecendo logo em seguida como se nunca tivesse estado ali.

O som dos sapatos de Yegor contra o chão parecia um relógio que contava os segundos de sua vida. Andou firme até a porta, olhou para trás e encontrou Red ainda no meio do caminho, arrastando a maleta velha que continha todos os seus míseros pertences e um urso azul, tão sujo quanto ela. A menina seguiu até o encontro de Yegor, e quando parou, soltou um longo suspiro.

— Eu não quero que você morra, dyadya. Mamãe e papai já morreram. Não quero que você morra.

Yegor não respondeu. Olhou para o relógio em seu pulso.
— Cinco minutos, nanica. Você fica escondida perto do meu carro, e quando ele chegar... Se eu não conseguir contra ele, se você achar que deve atirar, você atira! Mas se você tiver medo, nanica, tudo bem. Eu quero que você corra, o mais rápido que puder. Você foge, pra bem longe. — ao terminar aquela frase, Yegor colocou sua mão boa nos cabelos de Red e bagunçou-os.
Red assentiu.

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