Afundando

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Os abutres já estavam lá, espremidos junto a entrada da garagem do hospital, com suas câmeras e perguntas, com os flashs que ofuscavam sua visão.

Ally passou por eles escoltada pelo motorista, de cabeça baixa, evitando todas as perguntas que lhe faziam. Ela não escutava, para ser sincera por todo o tempo não tinha escutado ou pensado em qualquer outra coisa que não fossem as palavras de Rez no camarim. Era uma tortura da qual não conseguia escapar, por todo o caminho até ali tinha permanecido de olhos fechados, tentando se apegar a imagem de Jackson bem, dele vivo e feliz.

Não estava pronta para encarar algo diferente daquilo, mas não era como se pudesse fugir da realidade. No corredor os sons de seus passos pareciam altos demais, ela foi levada, e permaneceu esperando até que um médico viesse até ela.

- Ally. - a voz masculina fez com que ela voltasse o rosto naquela direção, Bobby estava ali, e parecia deslocado, como se não soubesse o que fazer. A mulher levantou rápido, caminhando aos tropeços na direção dela, e sendo recebida em um abraço. Encolheu-se ali e tentou conter as lágrimas, era inútil, ela balbuciou algumas palavras, perguntas que não era capaz de fazer em voz alta. - Eu não sei, quando o trouxemos eles o levaram lá para dentro e disseram que o estado era crítico, mas não tive qualquer outra notícia até agora.

- Por que? Ele devia ter ido me encontrar no show, ele disse que iria.

- Eu não sei, ninguém além de Jack sabe, pensei que agora as coisas iriam se acalmar, que finalmente... Deus, se eu não tivesse chegado a tempo.

Ela não quis pensar na possibilidade, mas sua mente era traiçoeira, instigando as piores imagens. Se Bobby não tivesse ido até lá, seria ela a encontra-lo? Seria Ally a encara o corpo sem vida do homem que amava.

- Como você o encontrou?

- Na garagem, ele estava lá, inconsciente. Eu cortei o cinto e fiz toda aquela merda de massagem cardiaca e respiração... Nem sei como lembrei disso, só estava fazendo, e chamei a emergência.

- Eu tinha pedido que verificassem ele, eu deveria ter percebido.

- Senhora Maine?

O homem se aproximava dela em passos cautelosos, um médico, tinha um semblante cansado e vinha acompanhado por duas enfermeiras. Lembrou as vezes que seu pai havia dito: Quando um médico vem acompanhado as notícias nunca são boas. Sentiu o coração despencar, mas assentiu enquanto se desvencilhava do cunhado.

- Sim, sou eu.

- Sou o doutor Chase, prestei os socorros iniciais a seu marido.

- Como ele está?

- Estabilizamos o quadro, o senhor Maine deu entrada em estado crítico, mais alguns minutos e não haveria nada a ser feito. Felizmente a ação inicial do irmão. - indicou Bobby, se tinha se colocado ao lado de Ally. - Nos deu tempo. Foi essencial.Encontramos substâncias no sangue dele, ainda estamos identificando, mas agora, seu marido está sendo mantido inconsciente para que possamos avaliar as consequências do enforcamento, as possíveis sequelas.

- Sequelas? Então ele ainda está em risco? - parecia haver um nó na garganta dela, Ally tinha o peito mais leve pelo simples fato de Jackson estar vivo, mas sua mente explodia em temores pelo que ainda poderia acontecer.

- A ausência de oxigênio pode afetar o cérebro de muitas maneiras, as próximas 48 horas serão de observação, nos manteremos alertas a qualquer mudança no quadro. Ele será submetido a exames, e depois desse tempo, o risco será menor.

- Nós podemos vê-lo? - Bobby indagou, como se soubesse que aquele era o único desejo de Ally naquele instante.

- Não ainda. Mas iremos mantê-los informados, quanto antes ele for totalmente estabelizado, poderão vê-lo outra vez. - o médico parecia saber que Ally estava prestes a protestar contra aquilo, colocou a mão sobre o ombro da cantora e apertou levemente. Um apoio silencioso. - Sejam pacientes, e tenham fé. Ele precisa disso.

Com isso se afastou, desaparecendo nas portas que o levavam para além dos limites deles. Bobby passou as mãos pelos cabelos brancos, frustrado, cansado, mas ainda foi capaz de oferecer apoio a cunhada, puxando para um abraço apertado e se mantendo em silêncio. Ela, por sua vez, não sabia como reagir. O medo ainda tomava grande parte do seu peito, e as imagens em sua mente a perturbavam mais do que tudo. Seus pensamentos seguiam num questionamento infinito: Por que? Por que ele tinha feito aquilo? Por que se sentia tão culpada? Talvez por ter mentido para ele? Se tivesse sido sincera, tudo seria diferente? Nenhuma resposta vinha a mente.

Outra parte dela seguia agarrando-se fervorosamente a possibilidade da recuperação dele, o pior ainda não tinha passado, mas ter fé era tudo o que restava a ela, era tudo o que podia fazer por ele. Os minutos se arrastaram, Bobby tinha saído em busca de café, deixando Ally sozinha na sala de espera. Encostada junto a parede, tinha olhos fixos na foto de Jackson que era plano de fundo do seu celular. Durante todo o tempo em que ele estivera se recuperando, Ally tinha encarado aquela foto e se permitido acreditar que tudo poderia ser melhor. Às vezes sentia falta do passado, de como era quando o acompanhava nos shows, da vibração do público, da alegria da banda, da cumplicidade com Jackson.

Era como tivessem se passado décadas,as lembranças pareciam iluminadas, cheias de nostalgia. Não se sentia completa da mesma maneira como vinha seguindo, quando cantava não era sobre o que sentia, mas sobre o que as pessoas queriam ouvir: Os produtores, seu empresário, o público. Não tinha Jackson do outro lado do palco, tão orgulhoso em vê-la cantar junto ao piano, tinha Rez nos bastidores a encarando com repreensão.

Quando sua vida tinha tomado aquele rumo?

Alisou o anel em seu dedo, corda de guitarra,algo que muitos veriam como sem valor. Aquilo era coisa deles. Por isso importava tanto. Era uma promessa. E eles iriam cumprir.

- Aqui. - Bobby sentou ao lado dela, entregando um copo de café. - Para ficar acordada. Sei que não vai querer sair daqui.

- Acho que nem poderia. Minhas pernas estão trêmulas. - respondeu enquanto pegava o copo, a bebida trouxe um pouco de calor a seu corpo, aquecendo por alguns instantes.

- A imprensa está lá fora, muitos deles. Ratos malditos.

- Rez disse que lidaria com eles. Que cuidaria do incêndio. Eu só não quero que eles tentem feri-lo ainda mais.

- Eles não podem toca-lo, Ally. Não vão passar por nós.

Mas ela sabia que eles não precisavam tocar para ferir, as manchetes maldosas tinham tomado sites e revistas de fofoca, o escândalo do Grammy tinha tomado proporções gigantescas, desenterrado histórias. Jackson tivera a vida revirada por aqueles abutres, cada parte de quem ele era exposta e distorcida aos olhos do mundo. Rez dizia que ela deveria deixa-lo lidar com a situação, que se tentasse fazer coisas somente por amar Jackson cairia no fundo do poço junto com ele.

Agora ela afundava, sozinha, enquanto ele desistia de viver. O mundo tinha entregado toda a felicidade a ela para arranca-la de uma vez só.

- Não. Eles não vão passar por nós. - Prometeu baixinho. - Nenhum deles. 

ShallowOnde histórias criam vida. Descubra agora