Como termina a calmaria

309 20 7
                                    

Cancelada.

A turnê tinha sido cancelada, era o que seria dito, a gravadora queria aproveitar o momento para trabalhar no novo álbum. Era uma mentira. Tinha começado uma queda de braço com Rez, pela sua vontade de que Jackson participasse dos shows a seu lado. Algo que tinha aprendido em sua curta jornada até ali era que os que estão no topo não gostam de ser contrariados, os artistas estão ali para subir no palco e dar ao público o que eles querem, e não desejar qualquer coisa.

Ela sabia, mas mesmo assim tinha insistido. Queria Jackson a seu lado, seria bom para ele, e para ela também. O escândalo no Grammy tinha gerado uma avalanche de problemas, mas não quisera que isso o soterrasse ainda mais. Lidou com aquilo, era para limpar sua imagem, tinha escutado aquela frase um monte de vezes, e seguia no piloto automático: Entrevistas, sorrisos, fotos, ensaios, shows. Tudo aquilo era um borrão em sua mente.

Jackson tinha, finalmente, voltado para casa. Estava mais sereno, mas também mais silencioso. Era como se sua mente estivesse sempre distante, pensando em coisas demais. Ela se debruçava sobre o piano e observava enquanto ele brincava lá fora com o cachorro, aquilo era paz, a mais perfeita calmaria depois de uma longa tempestade, não desejava ser tragada para um mundo de problemas outra vez. Amava aquele homem, seu espírito tempestuoso, sua voz, a forma como dizia as coisas, como fazia as pessoas ouvirem além de suas palavras. Jackson falava em cada verso, mostrava um pouco do garoto do Arizona com um passado perturbado, alguém que não estava acostumado a duradoura felicidade.
Ally queria que ele tivesse isso.

Merecia. Eles mereciam.

Deitou ao lado dele naquele final de tarde, bem perto, como se pudesse se fundir naquele abraço. Contou sobre o cancelamento da turnê, mentiu para poupa-lo da culpa, não era o que queria. Deixou que pensasse que assim era melhor, um novo projeto, isso não era bom? Mas não se permitiu cair sem tentar uma última vez, ela o queria no palco de novo para cantar aquela música, a música deles, onde tudo tinha começado.

Quando Ally saiu de casa naquela noite, fez carinho no cachorro e beijou o marido outra vez, ela o veria em poucas horas, ele estaria lá para cantar, seria uma noite fantástica. Nos bastidores do show sentia a vibração e ansiedade que crescia antes de subir no palco, Rez estava lá, passando um milhão de instruções que mais soavam como exigências, o clima entre eles não era dos melhores, as últimas conversas também não tinham sido. Havia uma insistência constante dele de que a melhor solução para o "problema" em sua carreira era desvincular sua imagem da de Jackson,seria o melhor para ela, livrar-se da carga que aquela relação com uma pessoa tão conturbada trazia.

O que Rez não entendia era que aquela pessoa tão conturbada era o homem que ela amava, cheio de falhas, mas ainda assim o mesmo que a tinha conquistado naquela noite, em um estacionamento, enquanto cuidava de sua mão machucada com um saco de ervilhas congeladas. Ele era o mesmo que cantava ao lado dela na frente de milhares de pessoas, apostando alto numa completa desconhecida, mas que também a amava em silêncio num amanhecer frio. Jackson era a melhor coisa que tinha acontecido, e mesmo nos piores momentos, não houve um segundo que seu coração tivesse cogitado a possibilidade de amar menos aquele homem.

No palco a adrenalina era tudo o que sentia, diante de centenas de rostos desconhecidos e vozes que se misturavam, ela cantava e dançava, fazendo valer as horas de ensaios. Outra vez pensou se aquilo era o que ela queria falar. Se era o que queria que as pessoas ouvissem. Se ainda mostrava o que sentia a cada canção.Mas pensar exigia muito, e quando saiu do palco para mais uma troca, questionou se Jackson já havia chegado, era o momento deles. Rez dizia que não, mas que iriam fazer Shallow do mesmo jeito, já havia um guitarrista no palco, com a mente a mil, Ally não conseguia afastar a sensação de que algo muito ruim estava acontecendo, e pedir que mandassem alguém para checar como ele estava.

A performance solitária foi cheia de um sentimento urgente, o publico vibrava, nas nem todo o barulho era capaz de calar seus pensamentos, e temores. Quando as luzes se apagaram uma última vez ela voltou para os bastidores, sendo auxiliada no mesmo instante, mas seu olhar buscava por alguém, onde estava Rez?

-Levem-na para o camarim. - Alguém disse, ela não conseguiu identificar quem no meio daquela confusão, Ally foi levada, e Rez entrou segundos depois, fechando a porta atrás deles. Sua expressão fez o frio se instalar no interior dela, o homem falava, contando que havia mandado verificar Jackson, e Bobby já estava lá, ele havia encontrado o irmão na garagem, desacordado. -Tentativa de suicídio. O socorro chegou a tempo, por puro milagre... Mas as chances são praticamente mínimas.

Ele ainda estava falando, sobre a policia, e a imprensa, e como deveriam proceder. Parecia assustado, como se não soubesse o que fazer, mas ele sempre sabia. Ally, por sua vez, tinha que se esforçar para não desmoronar. Jackson havia tentado acabar com a própria vida. Ele tinha... Ela balançou a cabeça negativamente, não podia, ele não podia. Não depois de tudo o que tinham passado. Não.

- Ally. Ei, me escuta. - Rez a segurou pelos ombros, como se tentasse firmar seu corpo trêmulo, ela chorava, as palavras dele eram uma confusão em sua mente. - Você precisa encarar isso. Temos que ir ao hospital, já mandei preparar tudo, desde sua saída daqui até sua entrada lá. Vou lidar com os jornalistas, seu pai já está vindo.

Em sua visão embaçada Rez parecia quase compartilhar da tristeza dela, sua expressão era uma mistura de incredulidade e culpa, algo que Ally identificava em si mesma, porque também sentia. Nos momentos seguintes ela saiu com as roupas que tinha chegado ali horas atrás, e entrou no carro escuro, deslizando no banco de trás, em silêncio fechou os olhos, provocando a descida de mais algumas lágrimas. Em sua mente estava a imagem de Jackson, correndo com o cachorro diante entre as árvores, sentado junto a ela no piano, beijando seus lábios antes de sair. Era assim que terminava a calmaria? Não, não podia. Ele iria sobreviver, não podia perdê-lo assim, não podia.

ShallowOnde histórias criam vida. Descubra agora