Toda a cidade já estava enfeitada. As roupas típicas vermelhas com detalhes em branco já podiam ser vistas por toda a parte. Pequenas luzes que se apagavam e acendiam repetidamente deixavam claro que a época mais querida do ano havia chegado.
- Ah, o natal. A data em que todos parecem se sentir um pouco mais solidários, quando na verdade só tentam esconder o monstro egoísta dentro de cada um deles. - dizia, num tom de voz bem grave, um homem de barba por fazer e extremamente bem vestido. Um terno que parecia ter sido feito por um alfaiate de altíssimo nível. O paletó numa cor escura e a gravata em tom acinzentado destacavam ainda mais o pescoço do homem que agora estava avermelhado pela mal jeito que a navalha foi passada em seu rosto.
- Querido! Não fale isso. Pense que pelo menos uma vez no ano eles fazem algo de bom - exclamava Allie, uma elegante dama que trajava um vestido de lã na cor vermelha escarlate, enquanto colocava sobre a mesa o recém assado peru.
A mesa estava tão bonita: comidas visivelmente deliciosas e com um aroma extremamente atraente. O garotinho de cabelos escorridos quase se perdia em meio aquela ceia. A comida com certeza não seria consumida por completo, então ele gostava de imaginar para onde iria parar a rabanada, o arroz com passas, os biscoitos e tudo mais. Talvez servissem como adubo para a horta do quintal. Ou quem sabe fossem para algum animal de rua, ou outra coisa qualquer. Naquele momento não importava. Tudo que o garotinho queria era comer.
- Vamos rezar? - Allie mantinha seus olhos fixos no rosto de seu filho. Com a mão estendida em sua direção, ela indicava que a reza seria a última coisa que ela faria antes de liberar para comerem. E como Noah estava com muita fome, acaba cedendo mais rápido que o normal ao pedido que, mais cedo ou mais tarde, teria de ser atendido. Ele fecha seus olhos e sua mãe começa - Senhor nosso Deus mui...
Estranho. Silêncio. A reza não podia ter acabado tão rapidamente assim. E não acabara mesmo. Ela foi interrompida pois duas pessoas encapuzadas e com roupas completamente pretas entraram em sua casa. Cada um tinha uma arma na mão, mas o menininho, assustado e muito novo, não era capaz de identificar quais eram. Eles pareciam gritar algo como "você quem escolheu se envolver com a gente!" ou "agora você vai se arrepender de querer sair de algo que jamais deveria ter entrado!". Logo em seguida, um som estridente e contínuo toma conta do recinto. Noah já não está mais segurando apressadamente a mão de sua mãe, pois ela está deitada e inconsciente no chão. O vestido, que antes era de um tom vivo, perdia lugar para um vinho oriundo de um orifício ao lado esquerdo do peito. O líquido começa a formar uma poça ao lado do corpo. Noah sabe o que acabara de acontecer, mas ele se recusa a acreditar. O zunido ainda toma conta de seu ouvido. Mais tarde descobrirá que seu tímpano foi afetado um tanto quanto considerável. Mas ainda sim consegue ouvir ao fundo o homem de terno aos prantos. O choro se mesclava com a raiva e geravam grunhidos estranhos. "Vocês são uns assassinos miseráveis" e alguns palavrões era o que se dava para entender. Alguns socos são desferidos na mesa, o que faz com que parte da comida caia no chão e as taças derramarem as bebidas que haviam nelas. Quando o menino consegue tirar os olhos do corpo de sua mãe no chão e finalmente olhar em sua volta, os encapuzados já não está lá mais.
Alguns minutos se passam. Ou horas, talvez. Não dá para distuinguir quanto tempo se passou até que a impecável ceia de natal se tornasse uma cena de crime, com fitas na cor preta e amarela cercando a casa e vários policiais analisando cada detalhe. Cerca de dois ou três tiram algumas fotos de todo o cômodo, enquanto outros dois interrogam o homem de terno que parece ainda não ter entendido o que realmente aconteceu, e ainda outros três se juntam em um canto e gesticulam elouquentemente tentando descobrir o que houve. Pareciam ter apostado quem acertaria ou ao menos quem chegaria mais perto do real acontecimento, pois não há nenhum remorso em ver o cadáver ensanguentado a sua frente.
O menino ainda está sentado na escada que um dos policiais o havia pedido para ficar. Sentado no quinto degrau com o queixo nos joelhos e as mãos envolvendo as canelas, Noah sente uma mão enluvada em seu ombro, mas se recusa a olhar a quem pertence aquela delicada mão. Algumas palavras são ditas a ele, porém o garoto já sabe o que irá acontecer: seu pai provavelmente entrara em estado de choque e não teria condições de criá-lo - não quê já tivesse antes -, portanto Noah seria encaminhado para uma assistente social até que sua situação seja reavaliada e que algum membro da sua família consiga uma declaração de responsabilidade sobre o garoto, ou até que o pai se recupere e seja comprovado que há condições de ter o filho novamente em casa. O menino sabia que ambas as opções eram quase nulas de acontecerem. Por isso apenas balança a cabeça em sinal de concordância. E naquele momento, a mão enluvada já não está mais sobe seus ombros, mas está estendida à ele. Agora virando seu rosto, Noah percebe que quem falara consigo era uma mulher de cabelos louros amarrados em um coque bem feito. A policial o acompanhava para um dos veículos que o levaria até o centro ação social mais próximo. Naquele instante é dada a largada para a nova vida de Noah.
Longe de casa, vivendo em centros aditivos de de ação social por alguns anos, a cada dia mais ele se esforça para sair dali e tentar reconstruir sua vida do zero.
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Sangue Frio
Mistero / ThrillerNoah, um homem que vive afastado de tudo e todos, e que não aceita fazer seu serviço de qualquer forma. Sua profissão? Matar! Escrever seus trabalhos concluídos em um livreco é seu hobby. Descobrir o que o fez ser um assassino é que é o real mistér...