Disseram que o dia amanheceria lindo, ensolarado.
Mas o que vi na janela, foi exatamente o oposto. "Adeus, vestido verde-oliva" murmurei, levantando-me preguiçosamente. Pus as pantufas e abri meu guarda-roupa, pondo a roupa que usaria em cima da cama. Um vestido cinza de meia manga, de tecido macio de algodão e bordado num padrão de pequenos losangos.
Tudo bem, eu realmente gosto desse vestido, e da jaqueta de couro. Mas eu me decepcionei por não poder usar o vestido verde, magnífico e novo. Peguei minha toalha e fui correndo para banheiro, tomando um banho rápido e me secando rapidamente. Não havia muito tempo, logo teria de ir para a escola e eu não queria chegar atrasada, definitivamente não. Voltei para o quarto, vesti-me e pus casaco marrom e a sapatilha em camurça da mesma tonalidade, conferi-me no espelho.
O cinto costurado e do mesmo tecido do vestido marcava minha cintura, a bainha acabava em pouco mais da metade de minhas coxas. Mas até que não estava tão "ousado", como diria minha mãe.
A única coisa que faltava era o meu cordão.
Desde quando minha mãe o deu à mim - no meu aniversário de 11 anos - eu jamais saíra de casa sem ele. De tanto usá-lo, aquele acessório havia virado parte de mim, como um braço ou uma perna. Ele havia virado minha marca registrada, por assim dizer. As pessoas costumavam dizer isso, pois sempre ele se destaca, não importa o quão chamativa é a roupa. Nunca havia visto alguém que possuísse um cordão do tipo, nem mesmo sutilmente parecido. O pingente, um grande pássaro de asas abertas feito de pedra-da-lua, fora moldado de um modo rústico, porém encantador. É de um branco quase transparente e em sua superfície ve-se as cores azul claro e um rosa quase violeta, platinados, como se ele se tivesse sido esmaltado.
O que deixa meus olhos cinzas mais aparentes, já que possuem praticamente a mesma característica.
Não, eu não estou mentindo. Meus olhos são de um cinza quase azul, mas diferente dos olhos comuns. Dentro dele, há pequenas platinas com a mesma coloração do brilho do cordão, como pequenos pedaços de vidro.
As pessoas sempre percebem esse pequeno detalhe, já que é extremamente incomum.
Quero dizer, não estou me gabando ou algo do tipo, mas pelo menos eu tenho algo mais legal que minha pele tão branca como a da Branca de Neve e minhas sardas sutis.
Fui até minha penteadeira tão amada de mogno e pus o cordão. Penteei meu cabelo castanho, encaracolado e mediano.
Numa última conferida no visual peguei minha mochila e fui até a cozinha.
- Ei mãe, bom dia. - disse, pegando uma maçã da fruteira. Ouvi outro "bom dia" vindo da minha mãe.
- Kate, você perdeu a hora de novo. - minha mãe suspirou, olhando para o relógio da cozinha e limpando suas mãos sujas de massa de panqueca no pano de prato que usava em seu ombro.
Ela tinha aquela mania estranha de colocar o pano de prato no ombro esquerdo, como se fosse um pirata e seu papagaio, toda vez que ia cozinhar. No dia que fiz essa comparação ela ficou irritada comigo, mas a única coisa que eu sabia fazer era rir da sua irritação...
Espera, é isso mesmo o quê eu ouvi?
Peguei o celular e assustada vi que faltavam exatos cinco minutos para a aula começar.
- Érr... Tchau mãe! - disse dando um beijo no topo de sua cabeça.
Ouvi ela murmurar algo sobre despertadores e de como eu sou desorganizada, mas não tive tempo de dizer nada em resposta. Saí correndo de minha casa, a mochila pesando como um filhote de elefante em minhas costas.
É, hoje vai ser um longo dia.
Logo avistei o ônibus indo embora.
- HEEEY! - gritei levantando os braços. A maçã mordida ainda pendendo em minha mão esquerda.
Do que adianta ter um ponto de ônibus escolar bem ao lado da sua casa se você não consegue nem acordar antes dele sair? Que droga.
Corri até o ponto de ônibus comum, que fica um pouco longe dali. Parei, tentando me acalmar.
Acho que o Sr. Smith vai me decapitar, só acho.
Então o ônibus já estava chegando, percebi, arregalando os olhos. Talvez eu estivesse com sorte. Talvez.
Acenei para o ônibus parar, e ele parou, abrindo suas portas para a minha entrada. Entrei quase caindo no terceiro degrau de tão apressada que estava e também de tão desastrada que sou. Sentei-me na última fileira de lugares do ônibus, já que não havia mais acentos vagos.
Olhei para além da janela, comendo a maçã depressa. Abri-a e joguei o caroço da maçã por lá.
Me ocorreu o pensamento de pegar meu livro, mas não estava com ele ali e como faltavam poucas páginas para acabar o de bolso e alguns minutos para chegar à escola, continuei olhando para a paisagem da vizinhança. Aí passamos pela casa do Sr. Johnson, o cara conhecido como "maníaco dos gnomos".
E não, não era nada injusto, maldoso ou algo do tipo. Porque o jardim do cara é cheio de gnomos. Tem gnomo papai Noel, gnomo Peter Pan, gnomo macaco, gnomo baterista... Sério, o cara é totalmente pirado. Totalmente.
Não sei como ele gosta daqueles gnomos que mais parecem vindos de um filme terror. Aquelas bugigangas fazem crianças chorarem. É só olhar pra cara feia de qualquer um de seus bonecos de sorriso psicótico, que elas simplesmente começam a soluçar de tanto que choram.
As mães ficam irritadas e então o processam, é sempre assim. Mas ele nunca tirara nenhum de seus bonecos pavorosos de seu gramado sempre perfeitamente cortado. Fiz uma careta quando vi o boneco médico, com seu sorriso aterrorizante, roupas sujas de sangue e um bisturi em mãos.
Se aquilo dá medo até pra uma garota de 16 anos feito eu, imagina uma criança inocente de dois anos?
O ônibus parou subitamente, um sujeito de uns 25 anos sentou-se ao meu lado e o ônibus começou a andar normalmente.
Até aí tudo bem.
Só que eu senti algo metálico e circular apertado contra minhas costelas, tão frio que sentia através das camadas de roupa o objeto gélido. Que logo percebi não ser somente um "objeto gélido". Era uma arma. E como estava perto da janela, o único cara que poderia estar apontando a maldita arma contra mim, era o homem que havia acabado de entrar, com cara de inocente.
Bem, se eu não morrer, pelo menos terei uma boa explicação para o Sr. Smith. Além de uma boa lição: nunca confie em primeiras impressões.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Iced and Feverish
FantasyKatelyn nunca soubera o porque de ter os olhos diferentes. Mas o que não sabia, é que não era a única coisa de diferente nela. Ela descobre as outras facetas do mundo que antes, acreditava ter total conhecimento. E tudo começa com o aparecimento de...