- Estas oprimido, precisas te libertar.
Essa voz que ecoa, não vem daquela sala, vem da sua própria mente. John Ney percorre a sala, olhando os livros daquele ambiente, faz sete dias que seu avô partira. Ele esta ali para vê o que pode levar para sua casa, porém não nesta noite, pois chove desde cedo e ele decide ficar por ali mesmo. As filhas invadem o local numa correria desenfreada, ele as repreende mais elas fazem pouco caso, a idade permite elas a gastarem energia, com alegria. John Ney é o típico nortista a começar pelo nome, como muitos por aqui leva um nome americano, porque os pais acham bonito e o segundo nome vem da mãe: Neimara. O avô que nada tinha dessas pavulagens era José, morreu com 101 anos de idade, raridades nos tempos de hoje.
John esta ali para levar consigo não só livros, mais lembranças, inevitáveis também são os despertamentos de algumas, boas ou ruins elas vão surgindo, inclusive das suas correrias pela mesma sala que suas filhas fizeram minutos antes. Moreno de olhar marcante, de rosto expressivo, de sobrancelhas fortes e sorriso fácil se mostra sério diante de um livro. "Escritos de uma noite perdida" que nome curioso para um livro, seria biográfico ou auto-biografico, histórico ou ficção? Autor desconhecido, John sabia que não havia nem um livro com aquele titulo, pois fizera catalogação de todos os livros pertencentes daquela biblioteca meses atrás. Ao abrir as primeiras paginas, John sobressalta os olhos ao deparar uma pequena frase boiando sozinha na pagina amarela do tal livro: "Estas oprimido, precisas te libertar!". Ele fecha o livro como num reflexo, e passado o susto abre novamente e aquelas letras sem nenhuma troca estão lá. Ele se pergunta como pode, como pode o que pensara minutos antes agora esta materializado diante de seus olhos?
Pagina 64, aquela voz que antes era apenas um instinto e facilmente explicada como o seu consciente falando, agora lhe causa medo. John já pensa nos custos do tratamento que fará procurando médicos. Agora o que falará mais alto: medo, estranheza ou curiosidade? Ele mesmo se interroga "porque tenho que ir direto para tal pagina, porque eu não leio na ordem?" Novamente: "Pagina 64!". Ele não discute mais, não quer começar achar que esta ficando louco, porém ouvir aquela voz e ela acertar novamente seria a própria loucura.
Na página 64 nada havia. "Que merda é essa?". Única coisa encontrada ali eram pequenos pontos alaranjados, marcas de algum fungo talvez.
Quem você é? Descreva! Nesse momento John pensa em chamar a esposa, que empacota algumas louças na outra parte da casa.
Ora quem eu sou? Sou John Ney Silva, pai de Natalia e Claralice. 36 anos, casado, técnico em educação concursado. Será que tenho que descrever nesta pagina, não acredito estou discutindo comigo mesmo?! O coração quase sai pela boca, chegando a doer-lhe a cabeça, quando o relógio toca 11 horas da noite.
- Quem tu és?
- Caramba, já disse quem sou.
- Então escreva.
- Isso é piração, mais tudo bem, farei – Escrevendo o que já tinha dito acrescentou.
Gosto de jogar cartas, de apreciar o movimento da rua, de olhar e querer saber o que tanto as pessoas conversam, o que acham tanta graça, divertido. Tem algo de interessante nesta vida que mereça tantas risadas? As vezes brinco com as meninas com os meus jogos e em outras com os jogos delas, porém nunca gosto de perder. Odeio que me tenham como ridículo.
Era para ter vívido amores que não vivi, era para ter me deixado apaixonar mas tive medo, medo de sofrer, como pudesse escapar alguma vez. Sou dono de um apurado senso critico, que muitas das vezes me leva a lugar nenhum. Desejos tão profundos e as vezes perversos que remetem a pura inveja, dor e ... Espera ai, mais o que estou fazendo, que bobagem é essa e se de repente alguém encontra esse livro e reconhece minha caligrafia? Como diria meu centenário avô: "Isto é arriscoso!".
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Caçador de Mim
General FictionUm homem de meia idade se vê confuso e perturbado ao ouvir uma misteriosa voz com frases desconexas e ao começar a leitura de um livro um tanto estranho na antiga biblioteca de seu avô é levado há dois mundos completamente diferentes. Questionando t...