Kia ora

1.4K 101 13
                                    

— Muita coisa havia mudado desde que começamos com as navegações: mudamos para uma ilha completamente nova e inexplorada, aperfeiçoamos nossos equipamentos e construções e aprendemos novas técnicas de caça. Mas uma coisa nunca mudou... O espírito de nossa tribo! Continuamos determinados a explorar novos caminhos e conhecer tudo que o oceano tem para nos proporcionar. Graças a uma aventureira não-princesa e um semideus que restauraram o coração....

— Grandioso semideus....

— C-como?!

— Acho que você quis dizer... "graças a princesa filha do chefe e ao extraordinário, espetacular e grandioso semideus Maui".

Eu levantei no mesmo instante em que era interrompida. Coloquei as mãos na cintura e encarei aquela figura enorme que estava diante de mim, com uma expressão convencida.

— Com licença. A tatuagem é minha e acredito que seja melhor, eu contar minha própria história.

— Claro. — ele riu forçado — Com tanto que seja a verdadeira história. — deu ênfase na palavra "verdadeira".

— Eu estou contando a história exatamente como aconteceu!

O tatuador que ouvia nossa discussão, já irritava-se com a nossa falta de maturidade. De fato, amanhã estarei completando dezoito anos, mas eu não conseguia fugir de uma discussão com o transmorfo. Sempre que surgia para uma visita, Maui fazia questão de me incomodar com suas piadas egocêntricas. E eu esbravejava feito uma criança, com meu jeito desengonçado de falar.

Deixei Maui reclamando sozinho e me virei rapidamente de costas, fazendo meus cachos esvoaçarem, me descabelando um pouco. Ouvi ele rir debochando de mim, então eu fiz um biquinho e sentei de frente para o tatuador.

— A princesa quer que eu segure na sua mão?

Vi ele deitar de lado no chão e inclinar a cabeça até meu braço, como se estivesse zombando de mim. Eu forcei um sorriso, mas já não aguentava ouvir sua voz irritante. Tive que morder o interior da minha boca para conseguir ignorar suas brincadeiras.

— Que?! Não! Claro que não! Eu aguento.

Na verdade, eu não estava conseguindo aguentar a dor. Era minha primeira Ta Moko, marcando um rito de passagem para vida adulta.

A vida de chefe da tribo.

A situação só piorava ainda mais pela tatuagem ser bem no queixo.

— Eu tenho quase certeza que você não deveria estar demonstrando essa cara de dor, enquanto recebe sua primeira tatuagem... Sabe, tem todo um lance sagrado. — ele tentou imitar minha fisionomia naquele momento.

— Assim como... — pausei para que o tatuador parasse com o processo — ...eu não deveria estar conversando com você?!

— Ih... É, bem, sua mãe pediu para que eu te acompanhasse. Claro, se você acha que dá conta sozinha... Eu posso simplesmente sair e...

— Não, não! — quase gritei — Espera! Pode ficar.

Ele estampou um largo sorriso e abriu a mão esquerda do meu lado. E eu deveria continuar exibindo minha expressão de durona, mas realmente estava sentindo muita dor. Então, suspirei fundo, tentando me concentrar em outra coisa e agarrei dois dedos de Maui o mais forte que conseguia.

Sei que por dentro, ele estava rindo da minha agonia, mas por fora ele me olhava de um jeito preocupado e atencioso. Mini Maui começara a "roer as unhas" demonstrando toda sua preocupação.

O tatuador segurou com firmeza o bastão de madeira, com uma lâmina afiada na ponta, perfurando minha pele de forma rítmica. Cada marca em alto relevo deixava um ponto preto brilhante, formando assim, um desenho entrelaçado em espiral e simples, mas artístico em seu significado. O homem possuía uma destreza invejável, mesmo com a movimentação monótona para dar vida a tatuagem. Aos poucos ele inseriu a tinta feita com fuligem de plantas queimadas.

Maui já não aguentava tanto tédio e saiu da casa entalhada, um pouco antes de eu concluir as tatuagens.

***

Quando finalmente terminei, o sol já estava se pondo e amanhã seria o grande dia, eu estava nervosa como nunca. Desviei o olhar e observei Maui conversando com a minha mãe, na frente de nossa wharenui.

Meu pai, como esperado, não gostava nada de Maui e seu jeito abrutalhado. Maui assemelhava-se mais a um guerreiro do que de fato um semideus, na sua concepção, e isso impossibilitava ainda mais a oportunidade deles se darem bem. Meu pai não conseguia suportar a ideia de que somos amigos, pois julgava que Maui fosse uma péssima influência.

— Incrível! A princesa conseguiu sobreviver a sua primeira Ta Moko. — o semideus arqueou uma sobrancelha tentando reprimir a vontade louca de rir que estava sentindo.

— Moana é muito forte. — meu pai me defendeu, num tom rude.

Antes que começassem uma discussão sobre mim ali mesmo, me pus entre as duas feras tentando lhes mostrar a nova tatuagem que marcava minha pele. Por azar, somente mamãe realmente prestou atenção em mim.

— Que lindo! Cada traço conta um pouco de sua história, mostrando ao mundo quem você é, Moana.

— O círculo holístico, representando a criação de nossa família, com quatro cantos que demonstram o amor. Um Koru que se refere a energia vital da vovó, para nos proteger eternamente. E claro, os triângulos simbolizando meus aprendizados... —  abri um sorriso sincero, enquanto contava sobre cada traço.

— Hmm... Então, acho que algum desses riscos deve mencionar sobre um semideus bonitão... — flexionou os músculos do braço — Que salvou sua vida...

Maui aproximou seu rosto de mim, como se me analisasse. Meu pai o encarou furioso, tentando o afastar de mim. O semideus obedeceu e afastou bruscamente, forçando um sorriso, totalmente desconfortável com o clima tenso.

Rā whānau de uma não-princesaOnde histórias criam vida. Descubra agora