Dois corações

633 44 3
                                    

Ema encontrava-se deveras enjoada por conta da gestação. Aos 5 meses, era de se esperar que ao menos o mal-estar estivesse cessado. Fora assim com Lídia, Jane e Elisabeta – que compartilhava com a amiga o mesmo período.

— Ernesto... – Ema o chamou pela segunda vez, tocando em seu braço nu. Encontravam-se deitados lado a lado na adorável cama do quarto da baronesinha na mansão Ouro Verde. Sua barriga proeminente já começara a lhe atrapalhar na aproximação dos corpos. Sem obter uma resposta imediata do marido, a nova Pricelli insistiu, chacoalhando-o um pouco mais firme com a mão. – Ernesto!

— Baronesinha! – Ernesto despertou subitamente. Manejou o lençol que o cobria, virando-se para encarar a esposa que estava sentada na cama e encostada na cabeceira, carrancuda. Ele, por sua vez, havia se assustado com o despertar repentino. – O que aconteceu, Ema?

Os enjoos de Elisa haviam diminuído perceptivelmente há mais de um mês. Os de Ema, em contrapartida, nem com orações de Dona Ofélia a todos os santos era passível de terminar. Quando anoitecia, eles apenas tornavam-se piores. Sua barriga já lhe atrapalhava durante as tarefas mais simples, o que lhe deixava irritada na maioria do tempo. Dormir era um mártir e Ema não suportava passar por aquilo sozinha, sempre incomodando o carcamano na primeira oportunidade que tinha.

- Gostaria tanto de um cozido do seu Manuel agora, Ernesto. – Ema fechou os olhos em satisfação, mordendo os lábios carnudos em seguida. Passou a mão pela barriga, acariciando-a. O futuro bebê Cavalcante Pricelli ficava especialmente agitado durante a noite, contribuindo para a insônia de Ema. Logo sua expressão sonhadora fora substituída por uma expressão descontente. – Porém, apenas de mencionar o cozido meu estômago embrulha completamente.

— E a senhora acredita que eu poderia resolver esse problema como? Indo até São Paulo agora para buscar um cozido? – Ernesto sorriu com os olhos inchados de sono. Debruçou-se sobre Ema, pousando sua mão na barriga – coberta pela combinação. – Esposa, você sabe que se eu pudesse te ajudaria a gerar nosso filho, alternando com você durante as noites e dias para que você pudesse descansar...

— Eu sei, marido. E eu sou absurdamente grata por você se oferecer para me ajudar, mesmo não podendo. – Ela riu, levantando o braço e depositando sua mão no rosto de Ernesto, acariciando sua barba. – Ernesto...

— Diga, meu amor... – Enquanto a mão de Ema subia para seus cabelos negros, seu rosto pendia para a barriga, para que ele pudesse encostar o ouvido no local já há tanto conhecido: ao lado do umbigo, próximo ao coração. O silêncio preencheu o ambiente e Ernesto sentiu Ema enrijecer.

— Ema? – Ele perguntou, hesitante.

— Eu acho que eu vou... – A baronesinha não conseguiu avisá-lo a tempo. Virou o rosto na direção para fora da cama e baldeou todo o conteúdo de seu estômago – que já fora considerado pouco por seu esposo durante a refeição tardia naquele mesmo dia.

Oh mio dio, Ema! – Ernesto levantou bruscamente, auxiliando-a com a sujeira expelida no chão do quarto. – Amanhã! Amanhã iremos visitar o Dr. Jonatas na primeira hora do dia. Isso já está passando dos limites, eu estou deveras preocupado com você e com nosso filho.

— Ou filha. – Ema protestou, pálida. Recostou a cabeça na cabeceira, suspirando e limpando os cantos da boca com um pequeno pedaço de pano deixado propositalmente ao seu lado. – Não será preciso. Já estou melhor, veja. – Um sorriso insosso cruzou seus lábios, sem sucesso na tentativa de engana-lo. – Conversarei com Mariko novamente, e marcarei...

— Não, Ema! – Ernesto se aborreceu. – Toda semana agora iremos visitar Mariko? Até quando? Até minha esposa não conseguir mais se alimentar direito? Até seu corpo não suportar mais esses enjoos?

amor em dobroOnde histórias criam vida. Descubra agora