:2:

879 125 58
                                    

Já era quase de noite, as estrelas salpicavam o céu escuro como brilhantes e formavam panelinhas, talvez para fofocarem sobre a terra ou por algum outro motivo qualquer. Parecia que uma praia inteira morava debaixo das unhas do menino, a areia que entrava entre seus dedos ardia menos do que a que se esgueirava em seus machucados.

Separou com as mãozinhas treze conchas, cada uma de uma cor diferente, cada uma para um hematoma diferente. Sua pele estava colorida com eles, desde as pernas até o rostinho tranquilo. Jungkook sabia que não podia ser colorido daquela forma, outros garotos não eram. Mas eles também não tinham um pai igual ao dele.

Era sempre da mesma forma, geralmente Jungkook fazia algo errado - nem sempre era erro dele, entretanto apanhava, o que o fazia pensar assim. Desta vez ele caiu da escada do farol e bateu a cabeça. Bem, caiu era uma outra forma para dizer que o pai o tinha empurrado sem querer. Porém Jungkook não ligava, algumas horas depois ficaria cheio daquelas manchinhas coloridas, as quais ele não podia tocar porque doíam. Gostava delas. As verdes combinavam com o musgo das pedras, vermelhas e roxas lembravam as conchinhas da praia e as amarelas...

As amerelas lembravam os cabelos de Jimin.

Não cantara para chama-lo naquele dia, esperou que ele tivesse esquecido de si ali onde morava, e deixasse o garoto escondido perto das ondas. Não queria que Jimin visse seus machucados e nem sabia porque, só tinha medo.

Mas ele apareceu mesmo assim. O barulho do mar mascarou o som que causava na água quando se aproximava cada vez mais de Jungkook e mesmo que o corpo do menino estivesse iluminado apenas pela luz pálida da lua, pôde enchergar as feridas feias e de cores fortes nele.

E não gostou nada. Lembrou-se o porquê de seu povo não vir conviver com os humanos. As pessoas são sujas e malvadas, descontam nos mais fracos os próprios problemas e militam transbordando hipocrisia sobre coisas causadas por eles mesmos.

Ficou algum tempo observando o menino combinar algumas conchinhas da praia com seus hematomas, totalmente alheio ao outro ali.

- Quem fez isso com você?

Jungkook ergueu os olhos assustado e levantou depressa da areia, pulando para longe de Jimin como um reflexo.

E o loiro não se moveu, apenas o olhou preocupado e irritado por não poder sair totalmente da água - se o fizesse, desidrataria rapidamente e certamente morreria.

- O-oi, Jimin-ssi... - engoliu em seco, as conchinhas caindo de seu corpo uma por uma, enquanto tentava cobrir-se dos olhos alheios.

Piscou sério alguma vezes para o garoto. Estava cansado da forma que o moreno agia, sempre tentando lhe poupar de algo que não entendia, sempre se mostrando com certeza, ser o melhor que a humanidade nunca poderia apreciar. Embora parecessem ter quase a mesma idade, Jimin era algumas centenas de anos mais velho - apesar de mentalmente ter apenas uns pares de anos de diferença -, já viu muito do que o mundo poderia fazer e Jungkook foi quem lhe deu esperança.

Esperança de que talvez nem tudo estivesse perdido na terra firme.

Chamou-o com cuidado, explicando mais uma das inúmeras vezes que não podia sair da água até que o garoto voltasse a se aproximar dele, de cabeça baixa, enfiando os pés nas ondas que rolavam diante da lua, parando tão perto de Jimin que o loiro teve que se afastar dois passos, coisa que ele não percebeu.

As mãos de Jimin tinham uma sensação boa quando o tocavam, davam cócegas e eram bem escorregadias, mas ambos já estavam acostumados com os toques e não se importavam muito - embora o loiro sempre se arrepiasse quando Jungkook fazia carinho em seus cabelos.

Analisou com cuidado cada manchinha colorida e tocou algumas, ouvindo o garoto grunir de dor bem baixinho.
Quis leva-lo embora, deixar o que as ondas tragassem seu corpo pequenino e o permitissem ver o que o mar mantinha escondido de cada espécie terrestre, contudo não podia fazê-lo. Jungkook não foi feito para a água, assim como sua mãe e nenhum dos dois fora feito para a terra, também.

E foi a primeira vez que alguém como Jimin chorou por alguém como Jungkook. Não foi nada demais, apenas algumas lágrimas escorreram pelo rosto um pouco escamoso, cada uma delas pareciam pérolas que se acumularam em seu queixo até pingarem na pele do moreno, algo simplório, eu diria. Mas coisas importantes nem sempre são "demais".

Os dedos cheios de areia do menino capturaram o pranto assim que seus olhinhos o fizeram. Manteve suas mãos no rosto gelado alheio e respirou bem pertinho do nariz de Jimin até que ele parasse de chorar e começasse a rir pelas cócegas.

- Jungkookie?

- Hm? - ambos se sentaram em seus lugares de sempre, um na areia, outro nas águas.

- Você canta tão bem quanto a sua omma.

Naquele segundo, uma estrela do céu se moveu, cruzando o manto escuro como um raio, caindo muito longe dali, mas nenhum dos dois meninos a viu. Jungkook estava ocupado se perdendo nos olhinhos do loiro e Jimin estava ocupado se perdendo nas próprias memórias.

Contou ao menino terreno a história de uma linda mulher que morava naquele farol alguns anos antes. Deu detalhes sobre sua dança desengonçada, sobre seu rosto bonito e delicado e sobre sua voz melodiosa que ecoava por cima das ondas e, às vezes, ultrapassava a barreira marítima, deixando que as pessoas das águas a escutassem. Ela cantava sempre a mesma música, ora sentada nas rochas, ora passeando pela areia, catando conchinhas. Uma vez, sua voz estava acompanhada do choro de uma criança que carregava no colo. Poucos momentos precisos como aquele faziam um garoto loirinho e curioso esgueirar-se do fundo do oceano e a observar de muito longe, maravilhado com aquela canção.

Tão maravilhado quanto ficou quando ouviu Jungkook entoar aquela mesma melodia.

Ao fim daquela história, ambos os meninos ficaram se encarando, saudosos de um tempo que não voltava mais e do qual não viveram o suficiente.

- Eu acho que sempre vou saber essa músi... - Jimin não completou a frase.

Sua cabeça inclinou-se levemente para o lado várias vezes e os olhos se abriram mais do que achava ser possível, suas pupilas não pareciam mais enchergar Jungkook e ele começou a recuar para mais fundo na água da praia.

- Desculpa... - Foi o que se ouviu antes que ele sumisse.

O menino permaneceu encarando as ondas, a voz morrendo na garganta a cada vez que tentava formar qualquer frase, o corpo sendo impulsionado contra as ondas enquanto o cérebro o continha ao mesmo tempo.

Um grito de seu pai o chamou e, relutante, voltou para dentro com uma sensação estranha no peito.

Uma sensação de que aquela era a última vez.

Shells in the ocean [jikook]Onde histórias criam vida. Descubra agora