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Não me pergunte nada! Eu apenas conto as histórias.

Histórias como as do menino que morava naquele farol, o mesmo que catava conchinhas na areia da praia, gostava de ouvir as ondas quebrarem nas rochas debaixo de suas janelas, para quem as gaivotas vinham dar bom dia. O mesmo menino cuja a mãe foi abraçada pelo mar sem saber nadar, e cujo o pai trouxe outra mulher para dentro de casa.

As histórias sobre esse menino são sempre gritadas por uma voz que definitivamente não vem das águas, mas surge da garganta dele e do homem com quem vivia. Naquela noite, os gritos tornaram-se mais altos assim que aquela mulher deixou o farol.

Jungkook tinha os olhos transbordando ódio e este sentimento pingava em formato de lágrimas. Não compreendia como o pai podia se envolver com outra pessoa depois de sua mãe, como podia amar e estar com alguém além daquele anjo de voz tão linda. E por sua incompreensão, condenava aquele homem, o mesmo que o amava tanto mas o odiava na mesma medida.

Em tudo que o pequeno Jeon se resumia, em nada com o pai se parecia. A mãe estava nele tão presente quanto o sangue em seu corpo. Desde as canções, as atitudes e a aparência e se tornava cada dia mais insuportável ver o menino crescer e se tornar a copia daquela mulher que um dia se foi de uma vez por todas. Como olhar para aquela criança e não sentir a dor no peito? A saudade? O ódio...

Ódio esse que desde que ela morreu, o homem marcava na pele de Jungkook e só cessava quando o menino parava de resistir e tinha alguns hematomas que certamente seriam ignorados nas semanas seguintes.

Sentia seu corpo todo doer e as lágrimas no rosto estavam misturadas com um pouco de sangue e secavam em seus poros.

O menino que morava naquele farol quis pertencer ao mar não pela primeira vez e certamente não pela última. Correu para longe de casa quando o pai adormeceu e diante das estrelas e da lua que eram suas amigas, ajoelhou-se sobre as ondas calmas que o presentiavam com conchinhas tão lindas.

Da sua garganta, a voz rouca escapava na forma daquela música tão especial, chamando baixinho Jimin entre um verso e outro, embora parte de si soubesse que ele não iria aparecer.

Sempre que recomeçava a cantar, as palavras saiam mais baixas e embargadas pelo pranto que vertia novamente. O sal que invadia suas roupas tocou-lhe os cabelos quando afundou o rosto na água gelada, sentindo os cortes em sua pele arderem mas serem limpos ao mesmo tempo.

- Me deixe estar com você... - não sabia se clamava pela mãe ou pelo amigo.

Queria apenas um conforto.

E buscou por ele nos tantos dias de sofrimento que se seguiram. Se perguntava se alguém descobriu que Jimin vinha à superfície e o proibira de sair, ou então se o loiro cansou de si. Ou ainda se algum pescador havia usado chocolate - Jimin adorava, descobriu alguns meses antes - de isca e o pescou.

Perdeu noites inteiras em pesadelos onde seu pai ia para o alto do farol e jogava a linha de uma vara ao mar, e Jimin engolia a armadilha, tento seu interior fatiado pelo anzol.

Perdeu também a vontade de buscar conchinhas na areia, mas não deixava de sair sempre que podia, cantando aquela canção com toda a força, em uma esperança cada vez mais fraca de que um garoto loirinho surgiria entre as ondas para lhe ouvir cantar.

Toda a história tem um começo e um fim, assim como a do nosso menino do farol.

Um beijo diante de um jantar à luz de velas, foi isso que fez Jungkook querer vomitar toda a sua comida. Já não estava se alimentando muito bem ultimamente - os socos que o pai desferia em seu tronco faziam seu estômago doer - e aquilo o fez perder totalmente a fome.

O corpo todo ficou gelado e respiração sumiu de seus pulmões, entretanto estava muito fraco para reagir como faria diante daquela demonstração de afeto entre seu pai e a mulher que lhe tomava os lábios.

Apenas levantou-se de onde estava, sentindo o mundo ao seu redor girar um pouco enquanto saia em silêncio de casa, fazendo o caminho bonito até chegar à areia tão fria quanto as lágrimas que escorriam de seus olhos.

No peito morava uma saudade de pessoas que achava que nunca mais poderia ter e seu corpo almejava qualquer alento, fosse o sorriso que esmagava os olhos de Jimin ou o colo aconchegante de sua mãe - o qual gostava de imaginar em noites solitárias como aquela.

E tudo o que quis foi não se sentir tão sozinho quando sentiu a água do mar tocar-lhe a pele das pernas cheias de roxos e as marcas de sua infelicidade.

Não chamou por Jimin nenhuma vez mas a letra daquela música não deixava a sua mente por um segundo sequer.

É engraçado como as vezes a dor é capaz de mascarar o medo.

O medo de Jungkook sumia a cada vez que as ondas, mais altas e violentas conforme ia se afundando na água, atingiam seu corpo. Sentia a areia tocar os dedos de seus pés, enquanto conseguisse alcançar o fundo, estava seguro.

O fundo era cheio das conchinhas mais lindas, se ele visse...

Mas a única coisa que ele viu foi o mar, uma última vez. Em sua busca por Jimin e pela mãe que com certeza podiam tira-lo daquela vida tão miserável, foi tragado pelo oceano tal como sua progenitora.

O mar engoliu aquela criança assim como a humanidade engole todo que existe de bom, assim como engoliu aquela mulher, anos antes.

Porque, como a mãe, Jeon Jungkook não sabia nadar.
E tal como ela, ele não servia para aquele mundo.

E nunca naquela praia, uma marca maior foi deixada.

Hoje em dia, quando alguém se arrisca a caminhar pela areia forrada de conchas daquela praia, dizem que é possível ver de relance, uma criança de cabelos escuros procurando tesouros perto da água e colocando tudo na cestinha que fazia com sua camiseta.

E acima do barulho das ondas quebrando, é capaz de se escutar:

Eu disse que tudo bem, oh sim
Um dia ele vai ser um bom dia, com certeza
Você não estará sozinho para sempre
Eu estarei ao seu lado, nós estaremos bem
Se estamos juntos
Com certeza vai ser mais brilhante amanhã

Mas nada disso é certeza.
Não me pergunte nada! Eu apenas conto as histórias.

Shells in the ocean [jikook]Onde histórias criam vida. Descubra agora