Girassol.

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Uma vez ele me disse que sua flor favorita era Helianthus Annus, na época eu não sabia nada sobre as flores e nem que elas tinham nomes científicos, então não questionei mais. Sabia que se lhe perguntasse nossa tarde seria resumida em falar sobre flores e as belezas delas, não seria ruim, mas eu queria ficar um tempo ao lado dele, em silêncio, apenas curtindo o momento. Era tão difícil ficarmos juntos, então gostaria de guardar com carinho cada tarde silenciosa que passava ao seu lado.

Nós nos víamos uma vez por semana, depois duas vezes no mês. Já não estávamos tão próximos quanto antes e aquilo me machucava. Luan me machucava ao ficar cada vez mais distante de mim.

Um dia eu recebi um girassol e com ele havia uma pequena carta de Luan. Nela dizia: "lembra-se da vez em que estávamos juntos em sua casa e você me perguntou qual era minha flor favorita? Naquele dia eu lhe disse o nome cientifico e você não me questionou mais. Pois bem, Helianthus Annus é o nome da famosa flor que todos conhecem como Girassol. Sabe o porque dessa flor ser a minha favorita? Porquê durante todo o dia ela acompanha o sol, ela procura o calor e a beleza daquela enorme esfera de fogo no céu, pois ela sabe que se deve sempre seguir aquilo que lhe faz bem. Evelyn, eu nunca quis lhe iludir, eu gosto de você e todos esses meses que passamos juntos serão inesquecíveis para mim, mas assim como o girassol, eu seguirei aquilo que sei que me fará bem, e você não está mais em meus planos. Eu não quero que fique com raiva de mim e nem pare de sair com nosso grupo. Há pessoas que estão destinadas uma a outra e se não demos certo. Não era para ser".

Luan, naquele dia não sabia que já havia plantado seu amor em meu coração. Não sabia o quanto eu o amava e não poderia imaginar que aquelas suas palavras tão belas, e ao mesmo tempo tão duras, iriam me machucar de uma forma tão dolorosa e tão bonita.

Na semana seguinte acordei de madrugada com uma dor insuportável no lado esquerdo do peito. A princípio pensei que era um enfarte; antes fosse. Levantei-me da cama e me pus-me a andar até o banheiro. Minha garganta doía. Meu coração ainda estava com uma dor dilacerável. Naquela madrugada eu vomitei a primeira pétala de um girassol e com ela um pouco de sangue. Eu vomitei um resquício do que um dia eu chamei de amor.

Não há nada pior do que saber que você está morrendo por conta de um amor não correspondido, um amor que você sempre pensou que realmente existia, mas no fim você descobre que o único que amou naquela relação foi apenas e somente você.

Eu não o vi mais. Continuava a sair com nosso grupo de amigos, mas ele havia sumido, talvez não quisesse me encontrar ou talvez conhecera um novo grupo de amigos mais interessante do que nós éramos.

Luan uma noite me mandou mensagem e, junto a ela, uma imagem. Era a pintura "Os girassóis" de Van Gogh.

(05h10) Luan: Estava olhando esta pintura e lembrei de você, me desculpe.

Ah, meu caro Luan, não havia o que desculpar, você tinha feito sua escolha e só me restava aceitá-la.

Olhei aquela pintura por horas, era tão bela e me perguntava o que tinha ali para ele lembrar-se de mim.

Foi quando senti novamente aquela dor insuportável - que naquele momento já havia tornado rotineira -. Foi com muita dor que eu vomitei nosso amor, mas não fora uma ou duas pétalas, fora um girassol inteiro. E naquele momento eu percebi que já não restava muito tempo para mim. Eu iria - literalmente - morrer de amor. O que adiantaria fazer uma cirurgia em meu coração se junto as pétalas seriam arrancados todos os momentos, todo o amor, tudo aquilo que me lembrava de Luan? Tudo aquilo que me fazia viver e morrer aos poucos.

Em uma sexta-feira à noite, quando eu estava saindo de uma cafeteria tomando meu café sem açúcar, eu o vi. Estava lindo como sempre e dessa vez ele não estava sozinho, ali, naquele exato momento senti uma dor em meu coração, gostaria que enfim tivesse que colocar girassóis para fora de mim, mas não havia chegado a hora.

Embora não tivéssemos mais nada um com o outro, eu não poderia ficar indiferente a aquela cena. Ele estava sorrindo com outro alguém na calçada a minha frente. Ele realmente seguiu o caminho do sol, já que eu não era capaz de aquecer sua flor.

Naquela noite eu chorei. Chorei como nunca havia chorado antes, um coração partido doía mais que um corte na pele. Aquela dor não vinha apenas de meu coração, ela vinha de minha alma também. Porque amar dói tanto?

Para tentar amenizar a dor que estava sentindo em meu peito resolvi ver alguns episódios de Doctor Who. Por que aquele alienígena de dois corações me causava tanta inveja? Ele era bonito e em cada regeneração ficava ainda mais belo, suas acompanhantes sempre se apaixonavam por ele, e mesmo carregando consigo a culpa de ter acabado com seu próprio planeta ele ainda se permitia sorrir, ele salvava as pessoas, ele ficava feliz por isso.

Porque eu não poderia ter dois corações também? Quando um falhasse e fosse partido por alguém, eu poderia recorrer ao outro.
Eu não merecia sofrer por amor.

E fora durante o episódio de "Vincent and the Doctor" que senti a dor em meu coração se intensificar. A hora havia chegado. Foi por tanto amor dado e não recebido que senti algo arranhando lentamente minha garganta.

Enquanto eu sentia aquele incomodo me subir a garganta, Doctor Who ainda estava passando na TV, e no momento em que a TARDIS parou em frente ao Musée d'Orsay eu senti pétalas roçando em meu céu da boca.

O Doctor havia perguntado ao Dr. Black sobre as pinturas de Van Gogh, e fora ali, naquela hora onde senti mais arranhões em minha garganta, um incomodo ainda maior. Doía tanto, amar dói tanto.

A dor era tamanha que fechei meus olhos e fiquei pensando e repensando o que Van Gogh disse ao Doctor no meio do episódio: "olhe para o céu! Não é preto, escuro e sem caráter. O preto é, na verdade, azul. E ali... o azul é mais claro. E, entre o azul e a escuridão, o vento sopra no céu. E, brilhando, queimando, emergindo, as estrelas! Você pode ver como elas mostram sua luz? Para qualquer lugar que olhamos, a mágica complexa da natureza radia diante de nossos olhos."

Sentia muita dor, arranhões em minha garganta e tossia muito sangue. Não havia mais nada a ser feito. Continuei de olhos fechados e imaginei "A noite estrelada", de Van Gogh. Chegara minha hora, mas não significava que tinha que ir com pensamentos ruins. Luan fora a melhor coisa que aparecera em minha vida. Ele me ensinou o que era amor e também me mostrou o que era ter um coração partido. Mostrou-me quão belo um girassol pode ser, mas não havia me mostrado o quanto ele poderia me machucar.

Mas se fora para morrer com nossos bons momentos ainda comigo, então assim teria que ser, eu não me permitiria esquecer de todos aqueles bons momentos que passamos juntos, Luan fora um grande presente que ganhei do universo. E eu iria levar isso comigo por onde quer que fosse.

Helianthus AnnusOnde histórias criam vida. Descubra agora