A Falta do Vinho

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– Sabe o que cairia bem com essa deliciosa macarronada? – perguntou Angelina, de forma retórica, cruzando os braços sobre a mesa. Seus olhos brilhavam com malícia. Seus dentes me deixavam com receio de olhá-la por muito tempo. – Um bom vinho – riu ao dizer isso. – Quando foi até a geladeira, achei que fosse nos servir uma garrafa desses seus vinhos caros. – Falava com a minha mãe. – Mas seu misto de suco de laranja e limão estava muito bom também.

Sobre a mesa, que comportaria seis pessoas sem nenhum problema, agora só havia pratos vazios e sujos e travessas com restos de molho de tomate e pedaços de macarrão pequenos demais para garfos conseguirem pegar. Uma travessa com salada de alface e pimentão permanecia intocada, e eu não me surpreendia, porque não achava que a combinação realmente funcionasse. Talvez minha mãe quisesse empurrar uma alimentação saudável em mim e em seus convidados (especialmente em Angelina), mas a estratégia não funcionou muito bem.

Minha mãe tomava a ponta da mesa. Angelina se sentava ao seu lado e eu, no outro. Sam, ao lado da mãe, estava distante o suficiente para que nossos pés jamais se cruzassem embaixo da mesa, mas nem por isso encontrei os de Angelina, nem por acidente, já que ela não era tão alta quanto o filho. Nem o cheiro de Sam eu conseguia sentir. Nem a sua voz eu tive oportunidade de ouvir.

Sam se comportava como se tivesse ido sozinho a um restaurante e aquela, infelizmente, lhe fosse a única mesa com lugares disponíveis, então puxara uma cadeira e se sentara determinado a ignorar todos que se sentavam com ele. Fazia um bom trabalho. Eu mesmo não parava de observá-lo, mas Sam não tinha atenção para outra coisa além da macarronada. Não tardou até que seus lábios ficassem ainda mais vermelhos do que já eram, por conta do molho de tomate. Nem todo o guardanapo descartável do mundo retirou aquela coloração de lá.

– Não fui eu que fiz o suco – disse minha mãe, unindo as mãos sobre a mesa. – Comprei pronto, nessas garrafas que os supermercados vendem, dizendo que são de suco natural. – Destinou um olhar duro à mãe de Sam quando disse: – Não vamos beber vinho nessa casa tão cedo.

Olhei para Sam. Rapidamente. Era isso o que eu fazia a cada pausa na conversa, na esperança de que nossos olhares se cruzassem e algo acontecesse. Eu não fazia ideia do que queria que ele fizesse, mas qualquer coisa serviria. De repente ele poderia perguntar “Algum problema?” e eu fingiria que não sabia do que ele estava falando. Mas Sam não olhava para mim, apenas fitava o prato vazio – ou assim eu imaginava.

– E quando foi que você se tornou essa megera careta antiálcool? – Angelina disse, rindo da própria piada. Mesmo sua escolha de insultos era antiquada para alguém que não queria ser “careta”.

– Você sabe por que estou fazendo isso – disse minha mãe, dobrando-se sobre a mesa e pegando a mão de Angelina.

– Sei? – Angelina replicou, puxando a mão para longe.

– Você tem tido problemas com bebida e estou aqui para...

– Ah, não se dê o trabalho, amiga!

Voltei-me para Sam. Tão pouco interessado que eu estava na conversa entre minha mãe e Angelina, não senti metade do choque que deveria ter sentido. Nossas mães discutiam, mas eu precisava saber se Sam estava ali de corpo e mente, afinal de contas.

Ele continuava olhando para baixo. Para o prato? Eu começava a duvidar. Apertei os olhos na sua direção. Uma mão segurava o garfo de maneira despreocupada, deslizando-o sobre o prato, criando desenhos nos restos de molho de tomate. A outra estava escondida embaixo da mesa. Acho que era para ela que ele olhava, ou será que...?

Ele está conversando com alguém pelo celular!, disse-me a consciência, gritando com tanta força que dei um salto para trás, arrastando a cadeira em alguns centímetros. Não que eu achasse conversas de celular algo incomum, principalmente sendo Sam tão popular – e bonito – quanto era, mas era ofensivo que ele fizesse isso durante um jantar, ainda mais quando era um convidado!

BLAM? ~ Livro 2 ~Onde histórias criam vida. Descubra agora