Bem, o trabalho parecia simples e eu não via a hora de fazer àquilo tudo e me livrar da obrigação de estar com meus colegas. A verdade é que me tornei bastante tímido e introspectivo, o que me fazia ser taxado como o antissocial. Mas apesar desse meu jeito, no fundo eu fiquei aliviado de ter sido selecionado com o Tiago e a Letícia para o trio. Eles sempre tiraram boas notas, apesar de não serem os alunos mais exemplares quanto ao comportamento.
Letícia é uma das garotas mais populares do colégio, todos os meninos disputavam sua atenção e muitas vezes, em meio aquelas babaquices machistas disfarçadas de brincadeiras, ela era o alvo de apostas dos meninos, inclusive do Tiago. Eu não curtia muito aqueles papos e sempre que ouvia algo próximo, me afastava, como de costume.
O Tiago por sua vez, não fica atrás no quesito beleza, ele tinha a pele bronzeada, cabelos pretos e leves pelos no rosto, que denunciava os sinais da puberdade da nossa fase. Ele era muito simpático e foi quem logo tratou de organizar o primeiro encontro do trio para o trabalho.
- Galera, a gente podia marcar na quarta às 20h na minha casa. Estranhei o horário, mas ele justificou com o argumento de que durante a tarde estaria trabalhando na empresa do seu pai e a Letícia logo concordou, mesmo eu não gostando da idéia, não me manifestei, não seria o chato.
A turma abordaria o período da ditadura militar e cada equipe retratária o governo de um presidente, no nosso caso, o governo Médici. Eu já tinha tratado de aprofundar o assunto e li sobre o quanto era um governo repressivo, autoritário e todo aquele caos do período militar.
Já era quarta, e eu sempre adiantado, cheguei 10 minutos antecedentes no prédio do Tiago, interfonei e fui liberado para subir, a Letícia chegou logo em seguida com algumas amigas, o que me espantou e, antes mesmo que eu as cumprimentassem ou questionasse a presença das garotas, a porta se abriu e uma turma de meninos da turma invadiu o apartamento, eles traziam vodkas e outras bebidas. Eu anunciei minha partida, mas fui interrompido pelo Tiago.
- Relaxa, Lorenzo! Deixa de ser careta, é só uma social, curte com a galera.
- Eu bem que desconfiei desse trabalho, nesse horário, cara, de boa, vou indo nessa, curta a noite.
Falei mostrando minha indignação, porém a Letícia trancou a porta, me obrigado a ficar no ambiente.
- Caralho Lorenzo, a turma toda faz isso, você nunca participa, fica só dessa vez, o que tu tem para fazer? A casa ta vazia, aproveita!
Não respondi, fui vencido.
Eu comecei a noite com a cara amarrada, nunca tinha bebido e fiquei afastado no canto da sala, ouvindo música somente em um lado do fone, o outro ouvido estava atento a galera na sala, brincando de verdade ou desafio. Eu não aceitei brincar e isso fez com que todos já ficassem putos, mas ao mesmo tempo, naquela altura da noite, o pessoal já estava alterado e foi então que fui pego de surpresa.
A garrafa parou entre o Tiago e a Letícia, os mesmos que me sacanearam com a parada da festa, foi então que ela perguntou para o Tiago:
- Verdade ou desafio?
- Desafio, é claro! Ele respodeu, empolgado.
- Te desafio a um beijo triplo com uma menina e um menino, agora!
- Filha da puta! Ironizou ele.
- Vai amarelar?
- Claro que não, pode escolher aí!
Eu já estava curioso e por incrível que pareça, me divertindo com aquela situação, até ouvir meu nome ser escolhido pela Letícia:
- O Lorenzo e a Raíssa!
Todos me olharam, a galera começou a gritar e a zoação tomava conta do ambiente, meu desconforto era nítido. Então a galera toda se aproximou e antes que eu pudesse me recusar, fui pego de surpresa pelo Tiago, que me pressionou contra a parede agarrando violentamente meus lábios, eu tentei me afastar, mas ele puxou a Raíssa, aumentando a pressão sobre o meu corpo e inserindo mais uma boca naquele beijo, que tinha gosto de vodka e também de hortelã, vindo da bala na boca da Raíssa. Por um momento cedir aquela insanidade, que logo se encerrou com os gritos do pessoal.
Eu fui para a varanda, foi a minha única reação diante daquela cena que me fez ficar envergonhado e ao mesmo tempo instigado, com aquela sensação, que até então era inédita pra mim. Todos cochichavam na sala, ouvir os passos de alguém vindo em minha direção, era o Tiago, com um copo pela metade, pedindo desculpas.
- Cara, me desculpa, mas foi a brincadeira da galera, eu não podia decepcionar e perder a oportunidade de beijar a gata da Raíssa.
Eu fiquei em silêncio.
- Sério Lorenzo, releva, toma aqui essa água, trouxe pra ti, bebe de uma vez, desarma essa tromba.
Eu peguei o copo e revirei todo o líquido que desceu queimando goela a baixo.
- Seu filho da puta, isso é vodka! Disse irado com ele.
- Agora é só beber mais outra!
Meu celular toca, era a minha tia e ele arranca da minha mão.
- Alô, sou o Tiago, colega do Lorenzo, estamos na minha casa fazendo um trabalho pra ser entregue amanhã!
- Oi Tiago, eu posso falar com ele? Está muito tarde!
- É que ele está muito ocupado! Ele disse, equanto eu tentava tomar o aparelho de sua mão. Foi inútil, então ele continuou. - Não vamos conseguir terminar agora e precisamos muito dessa nota, deixa o Lorenzo dormir na minha casa, eu empresto uma roupa pra ele e vamos direto pro colégio.
- Tá bem, se ele concordar!
- Ele já aceitou, obrigado Tia! Concluiu o Tiago, desligando a chamada.
Eu estava furioso, nunca tinha dormido na casa de estranhos e mesmo a minha tia sabendo, autorizou.
Ao mesmo tempo a bebida começava a fazer efeito e eu me soltei, enturmando com o resto da galera, bebendo muito mais do que devia.Aquela noite foi muito mais longa que imaginei. Os pais do Tiago estavam fora da cidade e o ápice da noite foram os beijos que rolaram entre mim e a Raíssa no quarto do Tiago. Uma pegação que acabou com o banho de vômito que ela me deu, mas não rolou mais nada além de beijos, estavamos muito alterados e não sentia vontade de aproveitar daquela situação.
A galera virou a noite e no outro dia ninguém alí compareceu a aula, tive a minha primeira advertência e a primeira recuperação da vida. Mas a minha parceria com o Tiago começou a crescer a partir daquele dia, aquelas farras se tornaram constantes, me lembrando de viver a minha juventude e me fazendo esquecer, ainda que por alguns momentos, do meu grande foco, que estava cada vez mais próximo de acontecer.
CONTINUA...
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Perdido em mim
RomanceOlá! Me chamo Lorenzo e preciso dividir algo com vocês. Quando criança, vi a morte violenta dos meus pais e isso mexe comigo até hoje, sempre evitei falar no assunto e até fingia não lembrar quando alguém insistia em falar sobre. Aquele dia nunca s...