Capítulo 2

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Em cinco dias de trabalho, Fran recebeu seis dentes de leite de presente, tratou cinco joelhos ralados, limpou dez bochechas manchadas de canetinha e removeu um chiclete dos cabelos de uma garota. Duas crianças haviam sido adotadas — Judite fora uma delas. A chamaram de mãe incontáveis vezes e de tia o bastante para fazê-la se sentir com o dobro da idade. Um menino a agrediu com pontapés no dia anterior, mas ela conseguiu se aproximar dele, respeitando seu jeito.

Fran também percebeu que nenhuma das crianças brincava com a garotinha negra isolada no quarto.

Não pode ser bullying se ninguém interage com ela, pensou, tentando decifrar aquele comportamento. Deve haver algum motivo para que as crianças fiquem longe.

— Dona Vitória, posso perguntar uma coisa a respeito de uma das crianças?

Ela estava sentada no sofá bebendo uma xícara de café e comendo biscoitos, mergulhando-os na bebida. Com a boca cheia, concordou com a cabeça e tocou o sofá, convidando-a para se sentar também.

— Então... — começou, relembrando sua fala que já vinha planejando. — É sobre uma menina que fica no quarto. Ela não brinca com ninguém. Também não a vejo no horário do almoço...

— Aline tem problemas, mas não precisa se preocupar. Ela sabe se virar.

— Mas... dona Vitória, me desculpe, mas essas crianças oferecem amor e precisam de retorno. Nunca tentaram se aproximar dela?

— Esse é o problema, Fran, ela não oferece nada. Ela passou por problemas e não tem mais os pais. A menina gosta de ficar isolada e respeitamos isso.

Fran juntou as sobrancelhas, não aceitando o que dona Vitória lhe dizia. Não era possível. Ela precisava de alguém ao lado, apenas não tinha encontrado a amiga certa.

— Tudo bem. Obrigada, dona Vitória.

Antes de alcançar a porta para voltar à recepção, dona Vitória lhe chamou a atenção outra vez:

— Pode interagir com ela, se quiser. Não proibimos ninguém de falar com ela. Me avise se conseguir algum sucesso.

Fran sorriu, sentindo-se aliviada por não precisar manter uma relação secreta com a menina. A autorização era tudo o que precisava para se aproximar de Aline e entender seus problemas.

A menina estava sentada no beliche como de costume. Isolada de todos, encontrando conforto nos próprios joelhos que ela abraçava com força como um bicho de pelúcia. Fran pensou que esse seria o primeiro passo para conseguir se aproximar dela: um presente.

Não tenho dinheiro nem mesmo para pagar a Mariana ou comprar uma bicicleta...

O orfanato era repleto de brinquedos e nada daquilo lhe atraía. Um presente pessoal, algo que apenas ela tivesse acesso talvez a tiraria da solidão...

— Fran, olha o que eu trouxe! — chamou uma garota da altura da cintura da jovem enfermeira.

Ela acordou dos seus pensamentos e olhou para a criança que se esticava com uma flor branca nas mãos. Tinha cabelos curtinhos na altura dos ombros e um curativo acima da sobrancelha.

— Que linda! — disse Fran, se ajoelhando e pegando a flor. — Aqui, deixa eu fazer uma coisa...

Ela prendeu o pedúnculo por trás da orelha da menina, que sorriu abobada e saiu correndo, chamando os amigos para verem o "ornamento". Fran voltou sua atenção para o quarto: havia apenas um grupo desenhando no chão entre os beliches. Estava calmo o bastante para ela conhecer Aline.

— Você não pode pintar o céu de verde! — reprovou uma das meninas, tirando o cabelo da frente dos olhos e prendendo-o atrás da orelha.

Fran se aproximou do beliche em que Aline estava. Seus olhos estavam fechados e seus lábios minúsculos repetiam palavras sem som. Estava usando uma regata branca e uma calça de moletom vermelha. Seus cabelos continuavam trançados e presos, como nos dias anteriores.

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